São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Brasil vive boom de novos poetas

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
DA REVISTA DA FOLHA

O Brasil assiste a um novo boom em uma área que andava bastante à sombra: a poesia. Esses jovens foram levados até a poesia por brincadeiras, uma longa viagem e até um tiro.
Francisco Bosco, filho do compositor João Bosco, se aproximou dos livros depois de ter sido baleado em uma favela de Niterói (RJ).
O processo pelo qual Francisco passou foi tão intenso que explicaria a publicação de "Florestado" e "Atrás da Porta", além de um terceiro livro a caminho, aos 21 anos.
Uma viagem pelos EUA, México e Europa resultou no livro de estréia de Felipe Nepomuceno, 22, filho do jornalista e escritor Eric Nepomuceno. "O Marciano" é composto por uma seleção de 44 dessas 'anotações' -como define seus poemas.
Rótulo
Em matéria de inspiração, eles têm poucas coisas em comum: uns preferem os brasileiros -Drummond e João Cabral de Melo Neto são os mais citados-, outros os estrangeiros, como Elizabeth Bishop e Arthur Rimbaud. Quase todos, no entanto, não gostam de ser chamados de poetas.
Pedro Amaral, 22, que publicou em 95 seu livro de estréia, 'Vívido', não gosta do termo por lembrar os "malas" que vendiam seus poemas de bar em bar.
Outros já acham o título muito pretensioso. "Essa palavra tem uma carga, e o meu ombro é fraquinho para carregá-la", diz o jornalista -e poeta- Heitor Ferraz, 32, autor de "Resumo do Dia".
Outro problema é que as pessoas ainda não esqueceram a imagem do poeta romântico, que morria, antes dos 30, apaixonado e com tuberculose. Pedro, por exemplo, apesar de ter o tipo físico que normalmente se associa aos poetas -franzino e de óculos-, adora animar festas como DJ amador.
Perspectivas
Esses jovens escritores não pensam em tirar o sustento dos seus versos, já que apenas poucas e pequenas editoras publicam obras dos novatos poetas.
A principal, a Sette Letras, publicou nos dois últimos anos cerca de 80 livros de poesia, com tiragem próxima de 300 exemplares cada.
Uma editora de maior porte, como a Companhia das Letras, publica em média dois livros de versos por ano. O jeito é procurar algo próximo, mas que renda mais.
O poeta Maurício de Arruda Mendonça, 33, de Londrina (PR), se formou em direito e advogou por seis anos. "Agora, trabalho escrevendo e traduzindo peças de teatro", conta. Tradutor de Sylvia Plath e Rimbaud, Maurício acaba de publicar seu primeiro livro de poesia, "Eu Caminhava Assim Tão Distraído".
Francisco Bosco, que se formou em jornalismo, mas nunca trabalhou na área, assina as letras do próximo disco de seu pai, que deve sair neste mês.
A diplomacia é o "projeto ambicioso" de Pedro, filho do escritor e um dos dirigentes do PSB Roberto Amaral, que não gosta de falar do assunto por temer associações com Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa e João Cabral.
O poeta Sergio Cohn, 23, filho do professor-titular de Ciência Política da USP, Gabriel Cohn, edita a revista semestral "Azougue", com uma tiragem de 1.500 exemplares, já no quarto número, totalmente voltada para a poesia e literatura. Sergio, que largou a faculdade de filosofia logo no primeiro semestre, tem como objetivo montar uma editora.
Falta crítica
A nova poesia, apesar de volumosa, não tem recebido muita atenção por parte dos críticos: "É irreal, pois há uma riqueza de texto muito grande e a maior parte da crítica é voltada para os nomes consagrados", reclama Cohn. "Existe esse abismo, um vazio crítico", afirma Heitor.
Sem espaço na mídia, esses poetas buscam avaliações de pessoas que admiram. O prefácio de "Vívido", de Pedro Amaral, foi escrito pelo filólogo Antônio Houaiss, membro da Academia Brasileira de Letras, que também recebeu elogios do poeta Manoel de Barros: "Gostei muito do livro do menino. Não tenho dúvida de que ele já é bom, e no futuro será um grande poeta", afirma.
Felipe Nepomuceno enviou "O Marciano" para o escritor Sérgio Sant'Anna. Sua crítica acabou também virando prefácio do livro. "Gostei muito da poesia do Felipe, é objetiva", disse Sant'Anna à Revista.
Heitor foi procurar a opinião do poeta José Paulo Paes logo que começou a escrever poesia. "Ele leu e me mandou um cartão, dizendo: 'Gosto disso, disso e disso'. O que poderia parecer um simples soco no estômago, foi importantíssimo. Comecei a reler os poemas e vi que ele tinha razão", conta Heitor.
Paixão
A julgar por seus poemas, que falam de cidades, favelas, astronautas, poderíamos imaginar que essa geração de poetas propõe uma poesia menos emotiva, mais "moderna". Eles negam o amor platônico, mas admitem influências provocadas pela paixão.
"Estar apaixonado não significa que você vai escrever melhor, mas certamente vai ter mais assunto", afirma Francisco, que chamou de musa a amada e até comparou-a com uma flor, mas raramente trata do tema em seus textos.
Diferentemente de Francisco, Pedro se inspira na ressaca do fim de amor. "Acho que o ato de escrever decorre um pouco de uma certa insatisfação", conta. Apenas Maurício, "mais velho", usa a maturidade para explicar que inspiração nada tem a ver com paixão. "Acho que é a idade, as preocupações mudam."

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