São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997![]() |
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Lichtenstein despiu o mundo de falsos simbolismos
VIK MUNIZ
Espantou-me o antagonismo entre a realidade daquele homem modesto e sua imagem passada pela mídia. Mais curiosa foi a idéia de ser capaz de reconhecer uma face com a qual eu somente tive contato por imagens ornamentadas com legendas sintéticas e estereotipadas. O homem Roy Lichtenstein incorporava o dualismo entre realidade e representação. "A arte está relacionada à percepção do que é natural, e não à natureza ela própria." A frase que vem direcionando a produção do meu trabalho saiu um dia dos lábios de um desses dois Lichtensteins. Roy Lichtenstein, o homem, percebeu, ao retornar da guerra, um universo visual imerso em ilustrações banais e narrativas infantis, sintomas de uma nação ansiosa por encontrar um receptáculo para o entusiasmo da vitória. Uma nação sedenta por ídolos simples, repleta de sentimentos que só encontravam vazão pelo cinema e pela imprensa. Roy, o artista, não pôde deixar de notar a discrepância entre a sensibilidade neoplatônica do expressionismo abstrato, predominante na época, e o desenvolvimento de uma cultura de massa cujos valores se baseavam em facilidade, acesso e distribuição. Mesmo consciente da hipocrisia resultante desse dualismo, Lichtenstein julgou que uma dessas duas correntes deveria estar enganada. Seguindo o ditado "Os dez milhões de fãs do Elvis não podem estar errados", decidiu abandonar o elitismo estético da pintura abstrata da época e conduzir sua pesquisa visual dentro dos labirintos transparentes e abismos superficiais da cultura de massa. Um passo audacioso, mas que, orquestrado com graça, inteligência e competência, lhe rendeu o título de "pai da pop art". Na apática aparência da maioria dos trabalhos do pintor se encontra a profunda preocupação do homem Roy Lichtenstein em despir o mundo visual de falsas idealizações e simbolismos e de objetivar a sensibilidade visual do homem moderno, em desvendar a gramática de um olhar adulterado e confrontar a sintaxe do nosso conhecimento visual tendo em mente suas origens mais sinceras. O verdadeiro espelho da vida contemporânea está baseado no reconhecimento de uma negociação entre a proliferação das mídias de massa e dos efeitos que essas mídias produzem no indivíduo. Dentro dessa definição, Lichtenstein e Warhol são os artistas que mais souberam refletir a consciência estética do povo norte-americano do pós-guerra. Texto Anterior: Mostra retrata a vida de Mário de Andrade Próximo Texto: Pintor foi revolucionário e meticuloso Índice |
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