São Paulo, segunda-feira, 3 de novembro de 1997
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Primeira Copa francesa uniu Rio e SP

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Olha lá, Perácio, tá vendo?
"Vendo o quê?
"A linha do Equador, Perácio; tá vendo, ali?"
Perácio empertigou-se, ajeitou a cintura das calças, baixou as pálpebras num ar de teatral superioridade e arrematou: "É claro que tô vendo; pensa que sou cego?" E saiu naquele passo de urubu malandro rumo ao camarote.
Essa historinha, que transita entre a realidade e o anedotário, exemplifica bem o clima que cercou a viagem de navio da delegação brasileira à Copa de 38, em direção à França.
Na Copa anterior, atravessamos essa mesma linha, com destino à Itália de Mussolini, divididos e fragilizados com as desavenças entre cariocas e paulistas, no raiar do profissionalismo. Agora, íamos com força total, mas desunidos pelo preconceito. Por exemplo: enquanto a maioria dos jogadores viajava de segunda classe, o beque-esquerdo Nariz, doutor de anel no dedo, e Leônidas da Silva, uma das três maiores personalidades brasileiras da época (as outras eram Getúlio Vargas e o cantor Orlando Silva), iam de primeira, com os cartolas.
O técnico era Adhemar Pimenta, misto de treinador e cartola, mais cartola do que treinador, e a viagem foi longa e cansativa, mas havia um consolo -a França nos esperava de braços abertos.
Não só em homenagem a Santos-Dumont, que flutuou em torno da Torre Eiffel, ao casal de bailarinos brasileiros Duque e Gabi, que fez Paris contorcer-se no parafuso do maxixe, ou a Pixinguinha e os Oito Batutas, que introduziram o absinto do samba e do choro na dieta noturna parisiense, mas, sobretudo, por causa do futebol etéreo dos craques do Paulistano, comandados por um mulato de olhos verdes, Arthur Friedenreich, El Tigre, que mereceram o epíteto de "Les Rois du Foot-Ball", na década anterior.
Não haveríamos de carimbar o título. Mas não haveríamos de fazer feio, com os dois times -pesado e leve, como definira o técnico. Pesado: Batataes; Domingos e Machado; Zezé Procópio, Martim e Afonsinho; Lopes, Romeu, Leônidas, Perácio e Hércules. Leve: Walter; Jaú e Nariz; Brito, Brandão e Argemiro; Roberto, Luisinho, Niginho, Tim e Patesco.
No campo, Batataes, acusado de tremer na estréia contra a Polônia, perdeu o lugar para Walter, e o segundo time só entrou em campo no jogo-desempate contra a Tchecoslováquia, com Leônidas de centroavante, porque só então descobriram que Niginho não podia jogar.
Foi a tragédia: Leônidas machucou-se e não pôde enfrentar a Itália, nas semifinais. Perdemos de 2 a 1, Leônidas foi estigmatizado e sobrou até para o pioneiro locutor Gagliano Neto, que traiu sua origem num dó-de-peito italiano ao berrar os gols inimigos.
Voltamos como os terceiros do mundo, e Leônidas, o Diamante Negro, com o título de artilheiro, com oito gols. Não foi pouco para tanta aventura.

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