São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997
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Muito gogó e pouco suor, os males do governo são

ELIO GASPARI

As dificuldades financeiras por que passa o Brasil são produto da associação de uma crença infinita no gogó de FFHH e de uma preguiça macunaímica de seus ministros para fazer o dever de casa. Levaram quase três anos para trabalhar a sério num projeto de regulamentação dos planos de saúde. (A bem da justiça, produziram uma proposta de boa qualidade.) Até hoje o Ministério do Trabalho não conseguiu produzir um mecanismo capaz de destravar os cadeados burocráticos que emperram o uso das verbas destinadas à reciclagem de desempregados. Deu-se o primeiro aniversário do Provão e até hoje não se ouviu um só caso de faculdade caça-níqueis que tenha sido prejudicada depois de ter sido desmascarada. Ouviu-se apenas a demissão do professor José Arthur Giannotti do Conselho Nacional de Educação, por não querer atrelar sua biografia aos despautérios que lá acontecem.
Seria tudo mais fácil se o culpado fosse o Congresso, ou os ciclistas. Infelizmente, para que essa transferência de responsabilidade funcione, é preciso subir as taxas da idiotice nacional aos níveis em que se colocaram os juros.
Um exemplo: O ministro da Fazenda, Pedro Malan, e seu secretário-executivo, Pedro Parente, adoram falar das reformas que salvarão o país e que estão travadas no Congresso. A reforma tributária é um caso exemplar. Há cerca de um mês, Malan lembrou a sua importância, pois temos "estruturas fiscais obsoletas", com mais de 150 impostos. Informou que Pedro Parente "apresentou ao Congresso a proposta final do governo". Cadê a proposta?
Gogó. Se os deputados e senadores forem hoje ao Planalto, de caneta na mão e se oferecerem para assinar qualquer projeto de reforma tributária que o governo queira, sairão sem nada. Pedro Parente não apresentou projeto algum. (Nem o ministro disse que apresentou, apenas usou o sentido vago da palavra "proposta".)
O governo não tem projeto. Teve, mas esqueceu-o. FFHH prometeu-o em fevereiro de 1995 e meses depois remeteu-o ao Congresso. É uma proposta de emenda constitucional rearrumando a floresta de impostos que atazana o empresariado brasileiro. Passados mais de dois anos, nem Malan nem qualquer outro sábio da ekipekonômica foi à Câmara trabalhar por sua aprovação. Seria o caso de dizer que os parlamentares deveriam fazer seu serviço, sem esperar pelo governo. Pois há menos de um mês apareceu por lá Pedro Parente. Não foi discutir o projeto do governo a que pertence. Simplesmente apresentou uma nova proposta, que retarda a reforma.
A proposta levada por Parente baseia-se na criação de um imposto de consumo, a ser cobrado pelos comerciantes. (Esqueceram-se de saber se os comerciantes de Alagoas estão dispostos a cobrar impostos com a mesma determinação que os do Oklahoma.) Como há uma diferença entre proposta, coisa que requer gogó, e projeto, coisa que requer papel escrito e muito trabalho, Pedro Parente não explicou como o governo cuidaria de duas consequências de seu exercício. Numa estaria trancada a Zona Franca de Manaus (com o senador Gilberto Miranda dentro). Noutra dobrariam as transferências automáticas para a educação, o que é uma boa idéia para o ministro Paulo Renato, mas poderia levar seu colega Malan ao suicídio.
Se uma fada ouvisse a proposta de Parente e 15 minutos depois lhe entregasse um projeto com todos os detalhes legais arredondados e, depois disso os deputados e senadores o assinassem, qual seria o resultado? O sistema tributário federal entraria em colapso em menos de 48 horas, por falta de estrutura. Toda reforma tributária precisa de um período de transição. Parente sabe disso. Quando deixa circular a lorota da morosidade do Congresso, simplesmente tira proveito da ignorância alheia. (A bem da verdade, Malan, sempre que pode, esclarece esse aspecto.)
Se a reforma tributária começar a ser trabalhada hoje, a toque de caixa, funcionará em 2001. Em menos de três meses Pedro Parente não transforma sua proposta em projeto. Em menos de seis o Congresso não aprova uma emenda constitucional. E em menos de dois anos não se completa a transição. O governo pode dizer que não é razoável esperar seis meses pela tramitação de uma reforma tão importante. Nesse caso, vale perguntar: por que ele próprio deixou seu projeto dormir por mais de dois anos (para depois esquecê-lo), quando soube fazer andar a emenda da reeleição?

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