São Paulo, quarta-feira, 5 de novembro de 1997 |
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Antropofagia é crítica a velhos modelos
MARCELO REZENDE
Oswald de Andrade (1890-1954) era um viajante em contato com as vanguardas européias. Trazê-las para o país, entendeu, não era apenas o ato de transportar uma árvore de um lugar para outro. Acreditava que a mudança climática poderia transformá-la. Do hibridismo nasceria algo belo porque novo, excitante porque inédito. Sua visão de uma cultura antropofágica aconteceu após ganhar um presente de sua mulher na época, a pintora Tarsila do Amaral. Oswald de Andrade conquistou o "Abaporu" e, baseado em suas formas, criou um movimento artístico que misturava "o de fora" com a tradição indígena. A influência do ato ressoa em todos os campos. Não por acaso, o tema da próxima Bienal Internacional de Arte de São Paulo, para os brasileiros, será a antropofagia. "Na pintura de Tarsila há uma exposição natural de uma idéia: a de que era possível a criação intelectual e artística na dependência", diz a curadora Sônia Salzstein. Salzstein realizou a pesquisa para a montagem da exposição "Tarsila Anos 20", que acontece até o final de novembro na galeria de arte do Sesi, em São Paulo. "É necessário pensar que a antropofagia, em Tarsila, realiza uma crítica ao modelo europeu, do colonizador, e isso é o que há de mais instigante no movimento: revirar o que foi achado e não tomá-lo sem qualquer forma de crítica", fala Salzstein. "Mas o problema", diz Olavo de Carvalho, "é que transformamos a hipocrisia em defesa. Macunaíma é um exagero e parece que, no final, ficamos com dificuldade em afirmar valores positivos. Temos que pegar algo da cultura da humanidade e trazer para nós, e não simplesmente o 'estrangeiro"'. O que significaria então uma cultura brasileira? O cinema de Julio Bressane, as canções de Caetano Veloso e também uma confusão de valores, tudo causado pela ação antropofágica? "Hoje em dia penso que o tema está sofrendo uma perda de velocidade. Não há aposta para vencer a dependência cultural", fala o psicanalista Octavio Souza, autor do livro "Fantasia de Brasil". "Curiosamente", continua, "para defender a posição antropofágica é necessário se identificar com a figura do índio. Como um lampejo do poeta que era Oswald sim, mas tentar construir uma nação com esse ideal...Confundir o nacional com o antropofágico é limitar as nossas possibilidades". Mas as possibilidades da antropofagia, para alguns, de certa maneira, continuam em vários aspectos da cultura brasileira. E, especialmente, nas artes. A psicanalista Suely Rolnik prepara o lançamento, pela editora Estação Liberdade, do livro "Inconsciente Antropofágico - Ensaios Sobre a Subjetividade", uma coletânea de ensaios. Rolnik defende a permanência e as possibilidades do discurso antropofágico, vivo ainda no trabalho de um artista como Tunga (leia texto abaixo). "A crítica feita à antropofagia parte de uma visão européia. Mas de maneira alguma ela -a antropofagia como constituição da subjetividade no Brasil- é infantil. É uma potência criadora", diz. Para ela, vivemos sempre "um hibridismo constante. Desde a fundação do Brasil constituimo-nos na mistura. O manifesto de Oswald não é um projeto teórico, mas uma visão que pode nos ajudar muito a, finalmente, formular essa teoria". Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: Uma idéia que continua se realizando Índice |
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