São Paulo, quinta-feira, 6 de novembro de 1997
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Juro alto criará embaraço fiscal, diz FHC

Leia a seguir os principais trechos da entrevista coletiva do presidente Fernando Henrique Cardoso
FHC - Procurarei ser o mais breve possível, porque imagino que os srs. e as sras. tenham perguntas. E, pelo que eu vi, era um número substancial de perguntas, e eu creio que é melhor que haja mais tempo para o nosso diálogo, porque, através da mídia, estamos falando com o Brasil, com o país.
Eu queria dizer coisas muito simples para nós abrirmos o nosso encontro esta manhã. Primeiro, algumas obviedades, mas que convém reprisá-las. Nós estamos diante de um fenômeno no que diz respeito à questão das crises acontecidas recentemente, que são de âmbito internacional. Todas as Bolsas, sem exceção, estão sofrendo as consequências de algumas transformações ocorridas em países distantes daqui. O fenômeno conhecido da globalização, que transforma os sistemas econômicos em sistemas que estão ligados por vasos comunicantes.
E, portanto, seria um pouco infantil da parte de quem assim pensar, imaginar que seja o governo, ou seja qualquer setor específico da sociedade brasileira, o responsável, em si mesmo, por esses acontecimentos. Não cabe aqui, nesse momento, nós estarmos trocando, enfim, acusações nem coisas do gênero, porque simplesmente é inadequado. Vejam um país como os Estados Unidos, no auge da sua expansão -possivelmente em raros momentos da história houve uma expansão tão consistente da economia americana e os indicadores tão positivos quanto nesses últimos tempos- e, não obstante, a crise alcançou a Bolsa de Nova York.
O caso do Brasil não é diferente. Todos os nossos dados têm sido dados positivos neste ano. Só para dar alguns esclarecimentos, alguns elementos. Por exemplo, as exportações brasileiras, elas cresceram 11%, na taxa de 11% nos dez primeiros meses deste ano. Isso se compara com menos de 3% no ano passado. Quer dizer, houve um aumento grande, que foi consequência de medidas que o governo tomou, uma das quais está aqui ao meu lado: a Lei Kandir, o ICMS de exportação. Uma medida que ajudou indiscutivelmente o crescimento das nossas exportações. Portanto, o governo atuou num sentido positivo e a indústria brasileira reagiu positivamente também, e nós ampliamos a exportação.
Os índices, os indicadores sobre os nossos déficits, tanto de transações correntes quanto o déficit fiscal, são todos no mesmo sentido, estão declinando. O mês de outubro foi um mês em que houve resultados muito positivos, quando se vê o que aconteceu nos últimos meses. Mesmo o déficit da balança comercial -e convém, também, recordar que alguns imaginavam que nós íamos ter um déficit de US$ 12 bilhões a US$ 15 bilhões até o fim de outubro- não chegou a US$ 7 bilhões. Não é isso? (perguntando ao ministro da Fazenda, Pedro Malan).

Pedro Malan - US$ 6,8 bilhões.

FHC - US$ 6,8 bilhões. Portanto, dificilmente este ano nós vamos ultrapassar, digamos, US$ 9 bilhões. São expectativas positivas e, não obstante, nós tivemos que enfrentar as consequências dessa crise. Eu acho, por consequência, que somente atrapalharia o Brasil -e não é correto, e atrapalha profundamente- ficar dizendo que a crise é consequência de que o governo fez isso, ou que o Congresso fez aquilo, ou que a oposição... Não é isso.
Agora, nós também sabemos que nós temos que defender o real, porque nós não tínhamos nem sequer moeda há muito pouco tempo. O Brasil todo, cada brasileiro, dona de casa, trabalhador ou funcionário público, todos sabem que hoje, quando recebem seu salário, esse salário tem um poder de compra que é estável. Isso é uma grande vantagem.
Então, cabe a nós, independentemente da posição política ou da posição funcional que nós tenhamos diante do processo econômico e social brasileiro, preservar a moeda, porque a moeda é muito mais do que simplesmente uma moeda. É a estabilidade. E a estabilidade não é só econômica, é a previsibilidade. Cada um saber o que vai poder fazer com o seu orçamento doméstico, o que vai fazer em termos de futuro. Depende da estabilidade do país, e essa estabilidade é em sentido amplo, ela implica também em reconhecer -isso é verdade- que nós somos um país onde há democracia, as instituições funcionam, tudo é feito com muito debate, com muita liberdade, com o Congresso ativo, com negociações corretas dentro do Congresso.
Enfim, existe um clima em que nós sentimos a necessidade de preservar aquilo que foi uma conquista de todos nós, brasileiros e brasileiras, que é simbolizado pelo real. E, ao defender o real, nós estamos defendendo o Brasil, estamos defendendo o emprego, estamos defendendo o futuro, estamos defendendo a democracia.
Portanto, o que cabe agora é uma grande união ao redor desses valores. Essa união não quer dizer estar de acordo com uma política específica do governo ou apoiar o presidente da República. É apoiar a nós próprios. É termos o sentimento patriótico de que há alguma coisa maior, que é o interesse do nosso povo, que é o interesse do nosso país, que é o interesse nacional.
Não é hora, portanto, de politicagem. De maneira nenhuma. A politicagem é uma coisa ruim sempre, eu não gosto. Todo mundo sabe que eu não gosto, não tenho nem paciência, mas em certos momentos ela passa a ser algo muito negativo. Não é hora para nós estamos discutindo assuntos menores.
É hora para estarmos unidos ao redor de certos objetivos que permitem que, com mais rapidez, se superem as dificuldades e que nós tenhamos um futuro melhor. É claro que o governo já mostrou -e todos sabem- disposição clara, firme, serena para tomar as medidas necessárias. E que ninguém tenha dúvidas quanto a isso. Nós já tomamos e, hoje, o Brasil é um país que tem respeito no mundo. Não tem respeito só porque tem moeda forte, mas tem respeito porque é um país que se organizou e é capaz de decidir, é capaz de preservar os seus objetivos, os seus valores, de acreditar mesmo no seu futuro.
Então, é muito importante que nós tenhamos essa compreensão. E quando eu falo da necessidade de união do Brasil, é ao redor disso. É a união ao redor de nosso futuro, que já está começando, começou agora.
Eu, agora, quero também dizer que nós temos boas razões para acreditar que vai continuar sendo assim, não só porque nós temos um desenho muito nítido das transformações que são necessárias -e elas estão ocorrendo, não vou repetir o que tenho dito tantas vezes- nos investimentos de infra-estrutura; nos programas do "Brasil em Ação"; no fato de que nós estamos efetivamente aumentando a nossa capacidade de competição; no fato de que o Congresso, mais do que em qualquer outro período da história, aprovou leis importantes, que redefinem muitas áreas, toda a questão relativa, por exemplo, ao modo pelo qual o Estado brasileiro lida com alguns setores básicos, como a energia e comunicação.
Ainda hoje, vai ser dada posse à Anatel, que é uma agência importante, que redefiniu praticamente o modo pelo qual o governo se relaciona com as empresas telefônicas e com os consumidores. Daqui a pouco será a vez da Anel, depois da Agência Nacional de Petróleo. Investimentos em grande quantidade nesta área, não é?
Nós temos um rumo, e isso também é sentido pelo país. Isso é o que deve nos nortear e, portanto, nós temos que ter a convicção de que -a despeito de dificuldades, que são passageiras- nós vamos ser capazes de continuar atraindo interesse local, doméstico e internacional, porque nós somos uma área que tem rumo e tem capacidade de investir e se desenvolver.
Eventualmente até, numa visão estratégica, nós temos que olhar de forma positiva o que está ocorrendo no mundo, porque nós estamos demonstrando que aqui, e não é só o Brasil, é o Mercosul e os países da América Latina, têm maior capacidade de reação às emergências e são capazes, esses países, de sair de eventuais turbulências mais fortes.
E, portanto, estrategicamente, poderão, na competição com outras áreas do planeta, atrair mais recursos. E nós podemos, portanto, confiar ainda mais na nossa prosperidade para o nosso povo e maior tranquilidade para o nosso povo. Isso eu creio que é muito claro e deve ser o nosso rumo.

Nós não vamos deixar de dizer ao país nunca o porquê das coisas, e não iremos surpreender nunca os brasileiros e as brasileiras com medidas, como já houve no passado, que de repente mudam tudo. Inclusive, as consequências dessa alta de juros serão explicadas no que diz respeito à vida cotidiana. Os ministros vão cuidar disso e, mais ainda, nós vamos cuidar -o que é mais importante- que elas sejam passageiras para que nós possamos retomar a tranquilidade, até mesmo no que diz respeito às taxas de juros.
E, por isso, eu me empenho tanto, como me empenhei ontem e continuarei a empenhar-me nas reformas, e é injusto dizer que o governo não se empenhou pelas reformas. O tempo todo o governo estava e continua empenhado nas reformas. Na aprovação delas, na melhora delas, sabendo que as reformas não são um "abre-te Sésamo", não é? Que, feitas as reformas, não há mais problemas. É que temos que fazer muitas coisas simultaneamente para que nós não tenhamos problemas. Uma parte são as reformas. Ninguém coloca a questão: ou faz a reforma ou não tem estabilidade, feita a reforma tem estabilidade. As duas afirmações não são falsas, mas não são completas. Nós precisamos fazer muitas outras coisas, estamos fazendo e vamos continuar a fazer.
Como eu lhes prometi que não falaria muito, eu queria apenas retomar o fio da confiança fazendo que esta manhã é uma manhã gloriosa. Por quê? Porque houve uma privatização da CPFL. Em primeiro lugar, eu já tinha agradecido, mas eu quero de público reconhecer a firmeza do governo de São Paulo, do governador, do secretário de Energia, do conjunto dos paulistas. Eu acabei de falar pelo telefone com Mário Covas para felicitá-lo, porque fizeram o que os brasileiros devem fazer: seguir em frente.
O resultado foi bom. Só para que os srs. e as sras. tenham uma idéia do que aconteceu, o preço mínimo, pelo qual nós tínhamos cotado as ações da CPFL, era de R$ 223,63, o que daria um valor de R$ 4.316.600.000,00 à empresa.
A parte que foi levada a leilão corresponderia, desta vez, a R$ 1,772 bilhão, tirando o que corresponde aos funcionários. Pois bem, no leilão ela chegou a R$ 380,41 por ação, o que deu um valor global à CPFL de R$ 7.337.200.000,00.
Isto significa que a parte que agora foi leiloada vai dar R$ 3,013 bilhões. A parte que foi leiloada agora deu isso, R$ 3 bilhões, ao invés de R$ 1.772.000.000, com um ágio total de 70%, 70,107%. Como os dados foram transmitidos pelo Mário Covas, isso aí vem com as vírgulas, os pontos do finalzinho.
Mas é para dizer a vocês que isso é uma demonstração clara daquilo que eu acabei de dizer: o Brasil tem rumo. Tem programa. Vai avançar. Há confiança nele. Vamos seguir o desenvolvimento e é isso o que conta.
Então, eu queria terminar essa minha breve alocução com um voto de confiança no Brasil. Acho que nós estamos demonstrando a maturidade para enfrentar situações que não dependem de nós, que dependeram de fenômenos internacionais que aí estão e que nós temos que estar sempre atentos a eles.
Por isso, tenho feito tantos apelos às reformas, às modificações da estrutura do Estado, ao Custo Brasil, ao aumento de exportações. É porque, no tempo, para nós chegarmos a uma condição em que eventuais abalos -abalar vão abalar, porque abala os Estados Unidos-, mas nós teremos melhores condições de resistir a essas flutuações.
Dito isso, espero ouvi-los e eu tenho certeza de que, com a magnanimidade que os caracteriza, terei que pular aqui na corda bamba para responder, mas vocês sabem que eu gosto disso. Vamos lá.

Rede Globo - Presidente, se para salvar o real o sr. precisar tomar medidas duras, mais duras ainda, que afetem a sua popularidade e inviabilizem a sua reeleição, o sr. fará isso?

FHC - Sem dúvida alguma, sem pestanejar. Em primeiro lugar está o Brasil. Em primeiro lugar está o nosso empenho em manter o real, manter condições melhores para o Brasil, como país que tem futuro. Assim como já tomei -e não é a primeira vez que tomo, já tomei em 95, tomei muitas vezes- tomarei tantas vezes quantas forem necessárias, em qualquer momento, quer isso abale ou não abale uma eventual candidatura. Esse assunto para mim não tem importância.

Rádio Eldorado - O ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf disse esta semana que a alta dos juros é pornográfica. Por outro lado, o governo quer adiantar as reformas o máximo possível, e não deixar que elas se estendam muito pelo ano eleitoral. O sr. esteve hoje com o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, líder do PPB. Deu para explicar a ele a alta dos juros e negociar um apoio para que o PPB vote em bloco as reformas e até um apoio a sua reeleição?
FHC - O ex-prefeito Paulo Maluf, líder do PPB, veio ao Palácio da Alvorada para me dizer que ele apóia as reformas, o PPB apoiará as reformas, e que ele não será candidato a presidente da República. Eu não entendo de pornografia, isso eu não sei responder.

Folha - Presidente, eu gostaria de fazer dois questionamentos sobre a tramitação das reformas no Congresso. Os parlamentares, ontem, já estavam reivindicando a liberação de suas emendas ao Orçamento para votar a favor das reformas. Eu queria saber do sr. como é que o sr. vai encarar esse tipo de dificuldade no Congresso e se o sr. vai atender a esses pedidos. O segundo questionamento é a respeito da base governista. Os partidos que apóiam o governo somam mais de 320 deputados no Congresso, o que seria suficiente para já ter aprovado as reformas da Previdência e administrativa, que o sr. está cobrando desde o início do governo. Por que o sr. é duro quando cobra das oposições o apoio às reformas, quando parece que quem atrapalha a aprovação delas são os partidos que se dizem aliados do sr.?

FHC - Pois não, vamos lá.

Folha - Só complementando, por que também o sr. até agora, desde o início da crise, não convidou nenhuma liderança da oposição para conversar? E, se convidou, que lideranças são essas?

FHC - Pois não. Para começar, são três perguntas na verdade, não é? A primeira pergunta dizia respeito a... Ah, sim, às emendas. Pois bem, o governo, nesta matéria, tem orientação clara. Aqui está o ministro do Planejamento, que é o ministro encarregado do Orçamento. Qual é a orientação? Existem critérios técnicos. Se as emendas couberem nos critérios técnicos, elas são aprovadas, como foram o ano passado. É claro que isso gera uma certa ansiedade, porque não dá para aprovar todos de uma vez. Então, os que recebem ficam mais felizes, os que não recebem ficam menos felizes, imaginam que não vão receber. Isso tudo é normal. São critérios deles.
Em segundo lugar, agora, como existe esse problema de ter uma redução de gastos, é possível que sejam afetadas as emendas. Eu acabei de dizer que eu tomarei as medidas necessárias, mesmo que elas afetem a mim. Por que eu terei medo de afetar os outros? Não. Eu só não posso é afetar o interesse do Brasil. As emendas, às vezes, são positivas, são emendas que ajudam a uma comunidade, a uma coisa correta dentro do programa de governo. Nesse caso serão atendidas. O resto, se isso vai ser objeto disto ou daquilo, é conversa fiada. Aqui vai ser assim como foi o ano passado. Os srs. têm acesso ao "Diário Oficial", os srs. podem acompanhar quais são as decisões. Vão ser tranquilamente assim. Como eu também fui parlamentar muitos anos, eu sei, eu conheço o vai-e-vem do Parlamento nessa matéria. Há um momento de certo nervosismo, mas depois se acomoda.
Agora, votos de reforma não podem estar condicionados à aprovação de emenda, porque voto de reforma é voto de consciência, é voto a favor do Brasil. Há pessoas que têm objeções também de consciência contra as reformas. É preciso respeitar. Sobretudo, as de oposição. É preciso respeitar. Quer dizer, são contra, contra, e dão lá as suas razões. Agora, os que são a favor das reformas -o prefeito Paulo Maluf me disse que o PPB é a favor, os deputados todos do PPB imagino que sejam a favor, vamos ver- vão votar a favor.
O PSDB nem se discute. Os líderes do PSDB reafirmaram tranquilamente que o PSDB quer urgência nas reformas, estão dispostos a fechar a questão no partido. O PFL também. O PMDB, na medida em que o PMDB está a favor do governo, também. Então, eu acho que isso aí é uma questão tranquila. Eu não estou discutindo reformas versus emendas. Essa conversa para mim não existe.
No que diz respeito à base e a necessidade de apoiar, eu acho que já dei a resposta. A resposta que e que algumas dessas reformas são complexas: reforma da Previdência, Reforma da Administração tocam muitas vezes a legítimos interesses ou muitas vezes a visões -não são nem interesses- legítimas, com as quais eu não concordo, que eu tento mostrar que deve ser diferente.
Eu, por mim, ainda pedirei mais às reformas. Não é que eu esteja contente com a forma como elas estão, mas cada passo é um passo. Depois veremos que mais fazer. É certo que formalmente o governo tem maioria. Formalmente. Mas também, todo mundo sabe, essa pergunta é uma pergunta que valeria se nós estivéssemos num país onde os partidos tivessem realmente fidelidade partidária, pudesse fechar questão. Como não tem, a pergunta é falaciosa, porque toda gente sabe que não basta o conjunto de um partido apoiar o governo para os votos virem, porque não é esse o nosso sistema. Ela é falaciosa. Todas as vezes que quiserem me perguntar imaginam que criam embaraços, mas não criam. Criam um embaraço frente à mente, só. Porque a mente tem que entender a realidade. Na realidade, no nosso sistema, não havendo fidelidade partidária, efetivamente, apesar de partidos apoiarem o governo, existirão sempre setores de partidos ou pessoas que são contra, e o governo terá que discutir sempre com esses setores e essas pessoas para garantir. Apesar disso, devo dizer que nós ganhamos quase tudo com muito empenho e empenho que eu nunca deixei de ter. De vez em quando eu vejo nos jornais que o empenho que teve para a reeleição. Isto é falso. O empenho é o mesmo, é que os interesses é que são diferentes. Não é o meu empenho, não é o empenho do governo, são os interesses, e não estou discutindo na legitimidade deles, mas são diferentes os interesses em jogo. Então, continuarei a ter esse empenho.
Não é certo que eu cobre mais da oposição. Eu cobrei da oposição num momento de dificuldade do Brasil uma atitude que fosse uma atitude mais compreensiva, separando o governo de Estado, nação de partido. Em certos momentos, é preciso ter essa sensibilidade, porque é através dessa sensibilidade que o próprio povo, o próprio eleitorado, mede a capacidade de liderança. Fiz dois ou três apelos. Não convidei ninguém, porque a cada apelo que eu faço vem uma saraivada, às vezes até de desaforo.
Masoquista não sou. Eu quero abrir um espaço de negociação alta para o país. Se as pessoas não querem, paciência, mas eu não estou cobrando o fato de serem de oposição. É de oposição, é de oposição mesmo. Agora, muitas vezes, a obstrução, como todo mundo sabe, dá ao povo a sensação de que o Congresso não vota, embora o Congresso vote muitas vezes, esteja lá, mas ninguém entende um regimento tão obstrucionista quanto o nosso. Quem está na oposição usa isso como instrumento. É legítimo que use. Agora, em certos momentos, eu acho que era preciso ver. Será que eu estou tentando tirar proveito eleitoral de uma situação e o Brasil requer um outro tipo de atitude? Vota contra, mas vota. Eu não sou absolutamente mais duro com a oposição. Olha aí, duro tenho que ser com a oposição como ela é dura comigo. Agora, eu não estou cobrando mais da oposição do que... Eu estou chamando os partidos do governo e dizendo: 'Olha, está nesse momento'. Aliás, a resposta ontem foi excepcionalmente positiva dos partidos da base. Positiva, não é? Vamos ver, a oposição tem todo o direito de tomar o caminho que bem entender. Eu acho que perderam uma oportunidade histórica, pela segunda fez, de dizer ao Brasil que em certos momentos vale mais o interesse nacional. Eu repito aqui o que disse outro dia: quando eu era ministro da Fazenda e fui fazer o real eu chamei -aí eu digo o nome- o Lula e o José Dirceu. Tive longa discussão com eles, mostrei as consequências, pedi apoio. Vocês viram o que aconteceu. Disseram que o real era pesadelo. Agora, eu não acredito que seja assim, mas dá a impressão ao país de que estão torcendo contra. Estão torcendo. Isso fica mal. Para mim não, eu estou torcendo a favor do Brasil, lutando pelo Brasil, vou continuar lutando pelo Brasil, queria que todos tivessem essa atitude, mas cada um escolhe a sua atitude, paciência.

Rádio Alvorada - Eu queria saber a respeito dos cortes nos gastos. O governo vai fixar um critério objetivo para fazer esses cortes? Existe o risco de áreas como a educação, Comunidade Solidária, Saúde, sofrerem corte? Quais são os critérios que vão ser usados para fazer esses cortes?

FHC - O governo está estudando essa matéria. Posso lhe adiantar que na primeira proposta que me chegou às mãos, a educação e a saúde estavam fora. Estavam excluídas nesse nosso empenho. O nosso Orçamento é já muito austero. Não é um Orçamento que tenha se caracterizado por liberalidades. Daí a nossa dificuldade no exercício desses cortes. Agora, eles serão anunciados, não estão decididos, nós estamos justamente analisando tudo isso. No momento adequado, os ministros informarão à opinião pública e darão a razão. Mas nós temos cuidados, que temos que ter. Primeiro, nós não podemos fragilizar os nossos projetos de investimento além de certos limites. Nós temos que manter os investimentos. Em segundo lugar, certas áreas, eu vou citar as que estão em pauta, são áreas que não podem ser afetadas. Mas, às vezes (aí eu faço um apelo à imprensa e à opinião pública), nós temos que discutir a qualidade do gasto. Não se trata só de gastar. Gastar mais, não é bom, é gastar bem.
Então, em todas as áreas, isso inclui educação e saúde, essa pergunta deve ser feita. Esse programa está dando resultados? Ele poderá ser feito com menos recursos? Nesse momento, ao diminuir os recursos, não se está diminuindo a oferta de serviços e pode-se, eventualmente, estar melhorando a qualidade dos serviços. Eu tenho dito, não é de agora, é de algum tempo, nós temos que sair de um paradigma quantitativo -só pensar quanto gastou-, para qualitativo: gastou bem? Muitas vezes gastou muito e gastou mal. Eu não posso negar que o Estado brasileiro gasta mal. Não só eu, não é esse governo e nenhum governo específico. O conjunto do Brasil gasta mal. Um dos dados importantes que preocupam é que o gasto social do Brasil, comparativamente com o seu PIB, já é elevado e o resultado desse gasto é pequeno. Inclusive, há gastos que não chegam às camadas que mais precisam. Então, eu acho que a questão do ajuste fiscal é uma boa oportunidade para nós repensarmos o modo como gastamos. Não é só quantitativo, é qualitativo também.

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