São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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Idealista e arrebatado, todos os adjetivos de Glauber Rocha

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REDAÇÃO

A lista começou como uma brincadeira. Furacão, dínamo, colérico, primitivo, estapafúrdio. Vieram "joão sem medo", "parteiro da verdade", "Rimbaud utópico", "profeta alado".
João Carlos Teixeira Gomes acumulava em dezenas de pastas os adjetivos publicados sobre o amigo Glauber Rocha.
Mas o cineasta baiano teimava em não caber nessa coleção.
Teixeira Gomes, ou Joca, como lhe chama João Ubaldo Ribeiro na apresentação, passou então a transformar Glauber em livro.
Com 640 páginas, "Glauber Rocha, Esse Vulcão" (Nova Fronteira) chega neste mês às livrarias. Como não expressa no título, o livro de Teixeira Gomes vai muito além do notório "vulcanismo" do personagem.
Amigo de Glauber desde a adolescência baiana de ambos, o autor traça um perfil tão elástico do cineasta quanto a cesta de qualificações que esse já recebeu.
Visão que poucos projetaram, porém, e que Teixeira Gomes não hesitou em ampliar, é a de Glauber como um realizador objetivo, consciente e racional, empresário ativo e pouco afeiçoado a boemias.
O autor também trouxe à terra do Sol períodos menos iluminados na vida de Glauber, como a participação na chamada "Geração Mapa", grupo de jovens intelectuais baianos que se reuniam em torno da revista "Mapa" e nas "jogralescas", encenações teatrais nos anos 50 de poemas modernistas -"naquele tempo lá ainda só se falava de Bilac".
Leia a seguir trechos da entrevista em que o escritor, poeta, jornalista e "inimigo de Antonio Carlos Magalhães" fala de molduras da "personalidade tumultuada" de Glauber Rocha.
*
Folha - No início do livro, o sr. apresenta dezenas de adjetivos já aplicados a Glauber, de demente a "mensageiro do delírio". Qual deles lhe parece o mais esclarecedor?
João Carlos Teixeira Gomes - Glauber era um idealista e um arrebatado. Ele seguia um romantismo à Castro Alves. Ele disse uma vez uma frase engraçada, que Castro Alves morrera com 24 anos e que ele morreria com 42. De fato isso aconteceu.
Folha - Acredita que a biografia que o sr. fez tem algo de glauberiana ou "glaubélatra"?
Gomes - Penso que é muito difícil escrever sobre Glauber mantendo uma posição neutra. Ele sempre provoca uma atitude de restrito apoio ou de condenação. Procurei mostrar que, dentro de sua personalidade tumultuada, Glauber era um criador muito consciente e objetivo. Era muito lúcido e racional.
Folha - O sr. escreveu que planeja esse livro muito antes do "boom" de biografias. Os trabalhos de autores como Fernando Morais e Ruy Castro são calcados em centenas de entrevistas. Por que o sr. fez tão poucas?
Gomes - Para escrever uma biografia é necessário ter muita cautela com os depoimentos orais. Há uma biografia sobre Glauber publicada recentemente na Bahia, baseada em entrevistas, que dá uma visão muito distorcida sobre ele. Quem conta um conto aumenta um ponto. Evitei depoimentos em tornos dos quais não nutria uma confiança absoluta. Não queria construir anedotário em cima de Glauber. Testemunhei tudo o que eu escrevi.
Folha - Mas como isso se concilia com a tendência que o sr. mesmo aponta no livro de tentar evitar a "hipertrofia do eu", de "frear a subjetividade"?
Gomes - Procurei ser isento. Mas, diante de uma personalidade excepcional como Glauber, o que é isenção? Não pode ser uma operação desfiguradora. Você pode dizer que o livro dá uma visão grandiosa de Glauber. Mas essa é a visão que eu tinha dele.

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