São Paulo, sexta-feira, 7 de novembro de 1997
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Atores são o melhor do filme "Noite de Reis"

SÉRGIO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Noite de Reis" na versão lírica de Trevor Nunn deve agradar. Segue o mesmo padrão que tem tornado eficazes outros filmes baseados em Shakespeare (como os de Kenneth Branagh): ótimos atores, ligeireza nos cortes, barateamento dos temas e a escolha de uma bela ambientação, localizada numa época intermediária entre a elisabetana e a nossa.
A capacidade de agradar não é a menor desse diretor que se notabilizou à frente da Royal Shakespeare Company por seu sexto sentido financeiro. O mesmo que fez dele uma referência no West End londrino em espetáculos musicais como "Cats" (1981) e "Les Misérables" (1986).
Em Shakespeare, contar a história costuma ser uma necessidade, mas não a principal.
Sua poesia não dispensava a matéria obscura porque se referia a um mundo obscuro. O filme de Nunn gasta energia tentando clarificar a narrativa.
Mostra a ação anterior à peça: um naufrágio em que um casal de gêmeos parece se afogar.
Ela vem dar na praia de uma cidade onde governa um duque apaixonado por uma moça que o evita em nome de um luto recente.
Como não é incomum nas grandes comédias shakespearianas, o riso se constrói como reação à melancolia: a alegria mais luminosa e grosseira virá como corretivo da bílis negra que predomina nos humores do corpo.
Na versão de Nunn, a comédia se abre em chave de melodrama. A partir dessa expectativa psicológica, parte da graça se perde.
Exigência de verossimilhança
A rusticidade shakespeariana é suavizada. O ambiente burguês novecentista cria em nós uma exigência de verossimilhança que torna esquisitas certas situações e personagens, como o medieval Sir Toby Belch e o obscuro bobo Feste, um cético barroco.
Sir Andrew, que é um rematado néscio, passa por janota. A trama romântica dos jardins ofusca sua contrapartida irônica das cozinhas.
O que se ganha em bom gosto e mansidão primaveril se perde em comicidade verbal e alegria escatológica.
É então na expressão lírica dos excelentes atores que resta o melhor do filme.
Porque em meio a tão certa direção de arte, o mais belo mesmo está no timbre incerto das canções do bobo Feste (interpretado por Ben Kingsley), ou no patetismo teatral desse grande intérprete que é Nigel Hawthorne (no papel de Malvólio), ou ainda numa frase desiludida da apaixonada Olívia (Helena Bonham Carter) depois que o relógio toca: "O sino diz que estou perdendo tempo".
Nesses três exemplos, um tema central do poeta William Shakespeare na virada para o século 17: a consciência de que o tempo passa, melancólica ou alegremente. Depende de nós.

Filme: Noite de Reis
Direção: Trevor Nunn
Com: Ben Kingsley, Nigel Hawthorne, Mel Smith, Helena Bonham Carter Produção: Inglaterra, 1995
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes-Oscar Niemeyer, Top Cine e Lar Center

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