São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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A boa notícia do Japão

CELSO PINTO

O mercado financeiro internacional ficou mais restrito e mais caro para os países emergentes. No entanto, uma questão crucial poderá ajudar o panorama no próximo ano: o destino dos US$ 10,4 trilhões de poupança pessoal no Japão.
O Japão anunciou, há um ano, um enorme processo de flexibilização nas regras do seu mercado financeiro -o Big Bang japonês, a exemplo do Big Bang do Reino Unido nos anos 80. Em abril do próximo ano, mudam algumas regras básicas, o que pode levar mais japoneses a investirem no exterior, com reflexos importantes, diretos e indiretos, para países emergentes.
É surpreendente que, até agora, a discussão pública sobre esse processo tenha sido tão restrita. Alguns bancos de investimento em Nova York, contudo, há algum tempo têm levado em conta esse fator na discussão sobre 98. Depois do terremoto financeiro recente, essa discussão ficou ainda mais importante.
O JP Morgan, no seu "Asian Financial Markets" deste trimestre, publicou um interessante estudo sobre o Big Bang japonês. A idéia por trás do Big Bang é desregulamentar e abrir o mercado japonês. Parte da flexibilização na atuação das corretoras já entrou em vigor no mês passado. O final do processo está previsto para abril de 2001.
Algumas mudanças cruciais, contudo, acontecerão em abril de 98. Os bancos (nacionais e estrangeiros), pela primeira vez, poderão oferecer fundos mútuos a seus clientes. Hoje, apenas corretoras podem vender esses fundos, mas sua imagem pública não é boa, e o estoque do setor está estagnado em torno de US$ 500 bilhões.
Além disso, a movimentação cambial será inteiramente liberalizada a partir de abril de 98. Os japoneses poderão abrir contas em moedas estrangeiras no Japão ou no exterior. Hoje, as remessas têm que ser feitas em bancos especiais, e qualquer transação acima de 1 milhão de ienes (US$ 8.300) é checada pelas autoridades. Com a mudança, só serão checadas, para efeitos fiscais, remessas para o Japão superiores a 2 milhões de ienes (US$ 16 mil).
Hoje, apenas 0,5% da poupança doméstica está aplicado em depósitos e títulos estrangeiros. Indiretamente, via fundos de pensão, essas aplicações não superam 2% do total.
O fato é que os japoneses aplicam de forma arquiconservadora sua poupança doméstica de 1,2 quatrilhão de ienes (US$ 10,4 trilhões). Do total, 57% estão sob a forma de moeda ou depósitos bancários, rendendo nada, ou quase nada. Nos Estados Unidos, com US$ 20 trilhões de poupança doméstica, apenas 18% estão sob essa forma.
Em relação ao PIB, a aplicação em fundos de pensão representa apenas 15% no Japão, comparável a 93% nos Estados Unidos. Em bônus, a proporção japonesa é de 7% (nos EUA é 24%); em fundos mútuos, 6% (nos EUA é 21%); em ações, 15% (nos EUA é 61%).
Em outros termos, embora a posição líquida de ativos em poupança doméstica seja muito parecida no Japão (178% do PIB) e nos EUA (179% do PIB), no Japão a maioria dos recursos está aplicada em instrumentos sem sofisticação e rendendo algo muito próximo de zero. Aí é que entra o impacto do Big Bang. Com a liberalização, inúmeras novas oportunidades de investimento vão-se abrir para os japoneses, oferecidas por vários tipos de instituições financeiras, nacionais e estrangeiras.
É difícil saber o quanto dessa poupança será atraído para novos tipos de aplicação, mas, como lembra o Morgan, o custo de oportunidade para o poupador mudar é zero, ou perto de zero. Como a base de partida é baixíssima, mesmo pequenos movimentos poderão envolver muito dinheiro.
Isso terá um impacto negativo, pela competição, sobre a saúde das instituições financeiras japonesas, já fragilizadas -e as primeiras falências já estão acontecendo. Outro efeito será sobre a poupança internacional.
O estudo do Morgan não chega a discutir esse efeito, mas outro banco de investimentos americano acredita que poderá haver um impacto benéfico para os mercados emergentes. Quanto mais os poupadores japoneses buscarem melhor rendimento, maior poderá ser o investimento em países emergentes. Mesmo que as aplicações fiquem restritas principalmente aos países desenvolvidos, haverá um impacto indireto benéfico pelo aumento da liquidez.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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