São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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Psicóloga se mistura a dependentes

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cabelos curtos, jaqueta de couro e botas pretas. Pilotando uma vespa, ela não destoa dos grupos de novos e velhos metaleiros que circulam pelos bares próximos a uma conhecida casa noturna de São Paulo.
Andrea Domanico, psicóloga clínica durante o dia, se "traveste" nas noites de quarta e sexta para se aproximar dos dependentes de drogas injetáveis.
É o grupo mais antigo e mais arredio, tão difícil de contatar quanto os "pipeiros" -os fumantes de crack que podem se tornar violentos depois de algumas cachimbadas.
Andrea é uma das "agentes de campo" do programa de troca de seringas da Apta, uma ONG de São Paulo. Nas noites de sexta, ela se junta a outro psicólogo, Vladimir Stemplivk, e à professora e assistente social Cristina Maria Brites para percorrer áreas do centro.
Nas noites de quarta-feira, Andrea e Cristina ficaram conhecidas como "as meninas da prevenção". Muitas vezes Andrea está sozinha. Chega às 20h, quando a danceteria dedica a primeira seleção aos "órfãos do Raul", velhos roqueiros tatuados que estão sempre por ali.
Os que usam drogas injetáveis não costumam entrar. Ficam pelos bares, bebendo e conversando. Andrea sabe quem são e eles a conhecem. Alguns trazem num estojo de plástico as seringas usadas e ganham em troca um kit com novas seringas, camisinhas, folheto, água destilada e pote para diluir a cocaína.
A troca é feita num terreno baldio da região. Escondidos por um capinzal e iluminados pela luz de uma rua próxima, eles se sentam em grupo, preparam e usam a droga ali mesmo.
Na última quarta, na falta de cocaína "no pedaço", eles apenas fizeram a troca de seringas. Na área, cerca de 400 usuários já foram atendidos pelo programa.
Andrea carrega cartas da Apta e do Conselho de Psicologia informando sobre a intenção do programa. "Nunca tivemos problemas com a polícia", diz. Alguns "agentes da rede", voluntários que também usam drogas, já chegaram a ser detidos. Mas foram liberados assim que Andrea foi chamada pelo bip.
"Nunca me senti ameaçada pelos usuários", conta Andrea. Eles próprios afastam um ou outro bêbado e chegam a avisá-la quando a polícia está na região ou se há grupos violentos por perto. "Quando o campo está tenso, quando há muitos 'crackeiros' no pedaço, eles me avisam com o olhar. É hora de me retirar."
(AB)

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