São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
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Alta dos juros afeta atividade econômica

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, afirma que "a pancada dos juros" pode diminuir o tamanho do Natal, mas diz que a queda não deve ser acentuada.
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Folha - Como o sr. analisa as turbulências das últimas duas semanas?
José Roberto Mendonça de Barros - Eu acho o seguinte. O episódio da semana passada foi essencialmente um episódio que veio de fora para dentro. Foi resultado de uma confluência de questões estruturais na Ásia com um ajuste no preço dos ativos nos Estados Unidos. O lucro de algumas empresas de tecnologia foi menor do que o esperado e isso provocou um ajuste nos papéis. Curiosamente, no dia em que a Bolsa caiu o governo dos Estados Unidos anunciou o melhor resultado fiscal. Na Ásia, o problema de ajuste estrutural é mais complicado. Lá existe o fim do ciclo de investimento. Não é que nós sejamos diferentes no sentido de melhores. É que nós estamos num momento diferente do tempo. Estamos no início de um ciclo e eles estão no fim de um.
Folha - Como serão as medidas fiscais que o governo está elaborando?
Mendonça de Barros - Nós estamos trabalhando nessas medidas. Ainda não temos o tamanho delas, nem a composição detalhada. Nós estamos olhando o conjunto do ajuste. Tem medidas na área das estatais, com a seguridade social. Eu não quero detalhar. A idéia é verificar os quatro componentes que compõem o déficit público (União, Estados, municípios e estatais) e repassar cada ponto.
Folha - E as metas de déficit?
Mendonça de Barros - Nós queremos melhorar alguma coisa para o ano que vem. A área fiscal tem três ou quatro componentes. O primeiro componente é aquilo que vai impactar no conceito de dívida pública nos quatro níveis. O segundo é um esforço concentrado junto com o Congresso para acelerar as reformas. O terceiro item é avançar o mais rápido possível nas reformas de prazo mais longo. É o caso da reforma tributária apresentada pelo Pedro Parente (secretário-executivo do Ministério da Fazenda). Tem também a privatização. No caso dos Estados, o esforço é muito mais acelerar a assinatura dos contratos de renegociação das dívidas.
Folha - Uma crítica que está sendo feita ao governo é que ele não sentia a necessidade de um ritmo mais acelerado para aprovação das reformas. De repente, o governo foi pressionado pelo crash global das Bolsas?
Mendonça de Barros - O ajuste que estávamos fazendo era compatível com uma determinada velocidade na aprovação das reformas. Com a crise lá de fora, temos que mudar a natureza dos nossos passos e andar mais depressa. Temos que avançar mais rapidamente para a redução desses três déficits (fiscal, conta corrente e comercial). Esse evento nos obriga a andar mais depressa.
Folha - O senhor não acha que essa avaliação corrobora o que a oposição vem falando?
Mendonça de Barros - De maneira nenhuma. Há uma diferença qualitativa. O que a oposição está colocando é o seguinte: nós estávamos sentados esperando que o financiamento internacional continuasse existindo maciçamente. Na verdade, nós não estamos sentados. Estamos fazendo uma transformação bastante grande, numa velocidade que parecia consistente e que era consistente com a situação do mercado internacional. Tanto é que duas coisas surpreenderam este ano. Uma foi o ágio nas privatizações e outra foi o volume de investimentos diretos, excluídos aqueles das privatizações. Com a mudança, temos que reafirmar nossa estratégia, mas ela precisa ser mais rápida para reduzir o tempo e a intensidade em que a gente vem usando esse tipo de capital.
Folha - O governo vai baixar medidas de ajuste fiscal que não dependem do Congresso. Por que não fez isso antes?
Mendonça de Barros - Porque na verdade nem todas as medidas estavam disponíveis. Você tem uma certa velocidade em que as coisas são feitas. O que estamos tentando fazer agora é trazer para mais perto algumas medidas. Tem uma delas que já tínhamos decidido adotar e será antecipada porque ajuda a atrair pequenos exportadores e a aumentar o número de empresas que participam do comércio exterior.
Folha - Uma visão que se tem de fora é que o ajuste necessário viria somente depois das eleições do próximo ano?
Mendonça de Barros - Não é verdade. A estabilização é um processo longo porque é muito profundo. Também há coisas que você não percebe num primeiro momento. Só começa a perceber sua importância depois que a inflação caiu. Um exemplo é o caso dos precatórios. Só apareceu como uma coisa fundamental agora, mas hoje não existem mais precatórios do que antes. Antes, você colocava no Orçamento e pagava o valor já corroído pela inflação e a pessoa entrava na Justiça para receber uma diferença.
Folha - A taxa de juros está muito alta e todo mundo está preocupado com os seus efeitos sobre a economia. Qual sua avaliação e como será o ritmo de queda dos juros?
Mendonça de Barros - É algo emergencial. Um juro desse tamanho não pode ser manter por muito tempo. No mercado futuro, a taxa apresentou uma queda na mesma semana em que o governo adotou a medida. Não há dúvida de que ela cairá, mas ainda não é possível falar quando. O ritmo é algo que pode variar. Certamente não será um degrau só na volta. Não vai descer num tiro só. Não vamos chegar num dia e voltar ao que estava antes. Tudo vai depender do tipo de recuperação na economia.
Folha - Muda alguma coisa em relação aos indicadores deste ano?
Mendonça de Barros - Nós sempre falamos que a economia iria crescer entre 3,5% e 4% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano. Tudo vai depender da duração da alta da taxa de juros. Para este ano eu vejo que poucas coisas serão afetadas. Tenho certeza também que os grandes grupos comerciais vão fazer promoção. Há margem de negociação para amortecer parte dos juros com um lucro menor. Isso foi feito em 1995 e compensou na época a elevação dos juros. Eu acho que a pancada dos juros diminui o tamanho do Natal. Mas eu não acho que seja tanto.

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