São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Está mudando o conceito de trabalhador eficiente

GILBERTO DIMENSTEIN

O funcionário que leva serviço para casa, inclusive nos finais de semana, deveria ser premiado pela eficiência. Óbvio, certo?
Descobertas feitas por faculdades de administração nos EUA sobre como empresas organizam o tempo mostram que a resposta não é tão óbvia -aliás, quem respondeu positivamente corre um grande risco de estar errado.
O padrão de funcionário exemplar, admirado pelos chefes e invejado pelos pares, revela dedicação e fidelidade. Mas não necessariamente eficiência.
Muitas vezes esse empregado modelar está exercitando, consciente ou inconscientemente, um truque atrás de promoção, detectado nas entrevistas feitas pelas faculdades.
Por trás da imagem do incansável funcionário está uma ilusão: trabalhar bem seria trabalhar muitas horas. Para não serem considerados preguiçosos, os colegas imitam e também alargam o expediente.
Claro que certas profissões, do tipo jornalista ou médico, têm mais dificuldade de planejar o horário, já que vivem de imprevistos. Mas, no geral, o que antes era tido como inquestionável qualidade, hoje já merece a desconfiança de ser desorganização, desperdício e, pior, estupidez.
É um dos sinais de que muda o conceito de eficiência -e a própria idéia do que é ser um trabalhador do futuro.
*
Essas pesquisas que desafiam o senso comum se encaixam não apenas num ambiente em que a criatividade, flexibilidade e até intuição são mais e mais valorizadas.
Daí o crescente respeito à tese de que trabalhar menos significa produzir mais, evitando o desgaste humano.
Graças ao fato de que aumenta o número de pessoas que fizeram de suas casas extensão dos escritórios, ajudadas pelos avanços dos meios de comunicação, constatou-se como é possível economizar tempo.
Sem a pressão dos colegas, em casa não vale quantas horas foram usadas, mas se a tarefa foi concluída. Na média, gasta-se menos tempo.
O fato mais importante, porém, tem mais a ver com a atitude diante da vida do que propriamente com o trabalho.
*
Uma das importantes tendências americanas é a revolta contra a falta de tempo para o lazer e a família.
É um movimento tão forte que, segundo os departamentos de recursos humanos de corporações como General Motors, IBM, Citibank ou Coca-Cola, deixou de ser exceção o trabalhador trocar dinheiro apenas por mais tempo livre.
Virou tendência, em particular entre as mulheres, não aceitar promoções se o preço for ficar longe dos filhos.
Em poucas palavras: vencer na profissão a qualquer custo, sacrificando família e mesmo a saúde, é, hoje, questionado não pelos alternativos do estilo hippie. Mas pela classe média conservadora.
Movimento curioso porque nascido na terra da produtividade, onde ganham ares de verdades absolutas idéias de qualquer guru que ensina como tirar mais dinheiro do funcionário.
*
A tendência é medida pelos levantamentos de opinião, revelando como aumentou a prioridade ao lazer.
No começo da década de 80, de cada dez americanos dois consideravam que a sociedade valorizava em demasia o trabalho.
O Instituto Gallup detecta agora que metade dos americanos se incomoda com a pouca ênfase no lazer.
Há, no fundo, uma decepção com as empresas. Por conta da reengenharia -uma idiotice que ainda faz sucesso no Brasil- fizeram-se cortes em massas, agora vistos como muitas vezes desnecessários, quebrando antigas fidelidades.
*
A família, a igreja, os amigos ocuparam esse espaço.
A revista "Psicologia Hoje" informa que os desejos dos americanos são, pela ordem, desfrutar a companhia dos amigos, ir bem no casamento e ter saúde.
Só depois aparecem dinheiro e sucesso.
Para quem não perdeu toda a confiança no bom senso da espécie humana, é um bom sinal.
*
PS - Anunciei neste espaço minha volta ao Brasil, sem dar detalhes. Devo, portanto, satisfação aos leitores.
A coluna iniciada em 1986, que já esteve em Brasília, mudou-se para Nova York, começa a ser redigida em março baseada em São Paulo, no caderno Cotidiano.
Ainda estou à procura de um nome para coluna, que resuma essa linha evolutiva que vai da capital federal, passando pela capital do mundo e, chega, agora, na capital energética do Brasil, justamente por ser a síntese de todos os brasileiros e das nossas influências externas. Assim como Nova York, a grandeza de São Paulo está no fato de ser a cidade de todos, melhor espelho do tamanho dos desafios contemporâneos.
Agradeço sugestões -e prometo dar o crédito.

E-mail: gdimen@aol.com

Texto Anterior: China desvia rio e começa a construir maior usina do mundo
Próximo Texto: Afegãos proíbem médicos para mulher
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.