São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pelos salões arrastando

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Uma das curiosidades da mídia de hoje é a afobação com que procura defender o governo em todos os lances complicados recentemente produzidos. Desde a compra de votos para a reeleição de FHC até a garantia de que tudo vai bem na vida nacional. Mesmo quando os juros são elevados por conta de uma crise na Ásia.
Vai bem uma ova. Defender o real é agora defender a possibilidade de mais quatro anos para o atual grupo no poder. O parque industrial brasileiro, referência básica para o nosso desenvolvimento, continua sendo esfacelado. Gradualmente, estamos voltando a ser um país portuário, ou seja, que depende do porto para receber produtos básicos e para exportar matérias-primas e especiarias.
Evidente que teremos uma parcela da população beneficiada e cada vez mais distanciada de nossa realidade. Senhores da cana e do café mandavam trazer roupas de Paris para as sinhás. Casas-grandes tinham pianos suntuosos que nem se sabia como conseguiam chegar aos cafundós de um país essencialmente agrário.
Para não ir muito longe: o governo Dutra gastou em cadillacs e uísque as reservas acumuladas durante a última guerra mundial. Era uma forma primitiva de globalização. A moeda também era relativamente estável. Foi preciso vir JK para pensar o Brasil de outra forma.
Ninguém é besta de defender a inflação, mas demonizá-la é besteira igual. Conseguimos taxas de crescimento mais do que razoáveis convivendo com uma moeda instável. No governo atual, o que mais se desenvolve é a distância entre pobres e ricos.
Sim, a moeda é estável graças a uma contabilidade que se parece com a do Banco Nacional, cujo guarda-chuva FHC evocou semana passada. Ele pode nos proteger dos chuviscos, mas será impotente quando o temporal cair. Temporal que está se formando por conta de impulsos eletrônicos que, de uma hora para outra, nos devolverão à nudez das sinhás cobertas pelas rendas de Paris.

Texto Anterior: Rumo aos grotões
Próximo Texto: Entre o oportunista e o empreendedor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.