São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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Crise na Coréia do Sul faz FHC ceder a Malan e descartar proposta de Kandir

KENNEDY ALENCAR
EDITOR DO PAINEL

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, convenceu o presidente Fernando Henrique Cardoso a adotar um pacote econômico mais duro do que o defendido pelo colega do Planejamento, Antonio Kandir.
A forte queda da Bolsa da Coréia do Sul na sexta-feira e o desapontamento da comunidade financeira internacional com a entrevista coletiva de FHC na quarta deram a vitória a Malan.
A Folha apurou que, em várias reuniões ao longo das duas últimas semanas, a equipe da Fazenda defendeu um pacote mais duro do que a do Planejamento. Malan repetia ao presidente e a colegas de ministério dois argumentos:
1) a crise se agrava na Coréia, que, se cair, fará do Brasil a bola da vez junto aos investidores estrangeiros. Apesar de negar publicamente, o ministro não escondeu de seus interlocutores no governo que tem essa avaliação;
2) o crash de 23 de outubro teria afetado a credibilidade do Plano Real junto à comunidade internacional de uma forma mais aguda do que imaginou o Planalto.
Na quarta, FHC disse em entrevista coletiva que o terremoto financeiro no Brasil atingira "2 ou 3 na escala Richter". Depois, Malan disse a colegas de governo que o abalo fora de 5. Kandir deu 2 para o tremor. Nesse momento, ficou claro que os dois ministros da área econômica tinham diagnósticos diferenciados sobre a crise.
Até esse dia, FHC estava propenso a seguir a solução de Kandir. Mas o retorno negativo da entrevista junto ao mercado financeiro começou a fazer a balança pender mais para o lado de Malan. Havia a expectativa de que o governo brasileiro fosse anunciar medidas fortes de impacto fiscal nas contas públicas.
Quando veio um novo crash global na sexta, cujo epicentro foi a Coréia, FHC se convenceu finalmente de que o pacote deveria ser duro, sob pena de ver ameaçados o Plano Real e, por tabela, a sua própria reeleição.
Bola de neve
Em 29 de outubro, em uma reunião no Planalto, nasceu a estimativa de que o governo deveria cortar cerca de R$ 2 bilhões no Orçamento de 97. O governo prometia corte no custeio (despesas rotineiras de manutenção da máquina administrativa), preservando os investimentos.
Houve uma reação na Esplanada dos Ministérios, que concluiu que os gastos com custeio estavam no osso. No máximo, o governo poderia cortar R$ 600 milhões.
Cogitava-se naquele momento combinar esse corte com um minipacote que, por meio de um aumento de impostos, aumentaria a arrecadação do governo em 98.
Essa era a fórmula preferida pelo Planejamento, que estava interessado em preservar as obras do "Brasil em Ação" e em não agravar a recessão que já se vislumbrava forte por causa da alta dos juros.
A Fazenda bateu o pé, argumentando que as medidas deveriam ser mais duras. Malan foi o interlocutor mais frequente de FHC nos últimos dias. Em várias ocasiões, afirmou que a situação é muita delicada e que o Brasil precisar dar sinais positivos ao mercado.
O núcleo das medidas que devem ser anunciadas hoje pelo presidente é de autoria predominante da Fazenda. Ontem, FHC deveria decidir a intensidade delas. Exemplo: escolher se demite 10 mil ou 30 mil servidores não estáveis.
Aposta errada
Os aliados políticos do presidente ficaram completamente fora da discussão sobre o pacote. Os presidentes do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), além dos líderes governo no Legislativo, incluindo Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), não foram informados das propostas.
Um membro do governo diz que o Congresso não estaria entendendo a gravidade da situação porque reagiu pedindo a liberação de emendas para poder votar a favor da reforma administrativa.
A Folha apurou porém que, até antes do crash de 23 de outubro, FHC estava disposto a levar as reformas administrativa e da Previdência em banho-maria.
O diagnóstico era de que o Congresso não votaria essas medidas antes das eleições de 98 e que seria melhor o Planalto não comprar essa briga.
Se não houvesse nenhuma complicação econômica, a articulação política do presidente avaliava que seria possível deixar para retomar as reformas após a reeleição de FHC. Segundo a estratégia do presidente, fortalecido por uma nova vitória eleitoral, teria como dar novo gás às reformas -sem a perspectiva de reeleição, faria um segundo mandato mais livre dos compromissos políticos.
A vários interlocutores, Luís Eduardo, líder do governo na Câmara, disse que o governo deveria deixar de lado o esforço já pelas reformas. Se alguma coisa fosse aprovada, o governo lucraria algo. Se ficassem paradas como estão, FHC teria, pelo menos, o discurso de que fez a sua parte.
Mas, para atrapalhar esse cenário, veio o crash que começou em Hong Kong. E na sexta foi a vez de a Coréia passar um susto em FHC.

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