São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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O Cade e as associações entre as cervejarias

CARLOS ALBERTO BELLO

O Cade brevemente reapreciará sua decisão de limitar as associações entre as duas maiores empresas nacionais e duas multinacionais (Antarctica-Anheuser Busch e Brahma-Miller). Se as tomarmos como acordos de cooperação entre concorrentes, mesmo que apenas potenciais, elas não teriam uma natureza pró-competitiva, pois seu prazo mínimo de duração é bastante elevado (mais de 15 anos) e sem previsão de término, restringindo em muito a perspectiva de posterior competição entre as empresas.
Dessa forma, as associações não seriam anticompetitivas apenas se as multinacionais não fossem concorrentes potenciais ao mercado brasileiro. Interesse elas têm, já que a produção do maior grupo nacional (Brahma) equivale a 27% do volume da Anheuser-Busch (maior grupo mundial) e que inúmeras multinacionais entraram no Brasil, passando a dominar setores como eletrodomésticos e autopeças.
Então, por que algo semelhante não ocorreu no mercado de cervejas? Dado que as empresas nacionais resistiram ao assédio das multinacionais, as associações fariam sentido apenas se as últimas não desejassem se instalar em função de elevadas barreiras à entrada.
É difícil crer que as três maiores empresas do mundo tenham tido essa percepção; ainda mais se observassem a ascensão da Kaiser e da Schincariol nos últimos anos -de 7,9% e 0,2% em 1989 para 14,6% e 5,4% em 1995. Embora essa ascensão tenha ocorrido em fase de grande aumento da demanda, é sinal de conquista; o setor operava com capacidade ociosa de 27% em 1995.
A trajetória da Schincariol é mais significativa porque não contou com a prévia existência de um sistema de distribuição que facilitou a ascensão da Kaiser, controlada pelos fabricantes de Coca-Cola. Alcançou 5% do mercado, apesar de possuir apenas uma planta, limitando-se a competir no Sudeste.
A construção de uma segunda planta (Bahia) mostra que as barreiras à entrada, mesmo que elevadas, podem ser superadas gradativamente. Como o poderio financeiro, mercadológico e tecnológico das multinacionais é muito superior, elas, em tese, poderiam entrar de forma mais agressiva.
A principal barreira à entrada é a necessidade de uma ampla rede de distribuição para atender todo o país, já que a Antarctica e a Brahma dispõem de mais de 500 revendedores exclusivos.
O poderio financeiro das multinacionais lhes permitiria constituir essa rede, mas isso não parece ser necessário. As cervejarias nacionais estão buscando operar apenas com grandes revendedores, liberando os demais para se aliar às multinacionais.
Além disso, a Miller pertence ao grupo Philip Morris, cuja ampla rede de distribuição de alimentos (Lacta) e cigarros (Marlboro) tem canais muito próximos aos das cervejas, permitindo contar com revendedores já aprovados. Nessa linha, a Anheuser-Busch poderia retomar um anterior acordo de distribuição com a Arisco.
Outra importante barreira é o investimento em propaganda. Os três grupos líderes investiram em conjunto US$ 360 milhões em 1996, mas esse custo só pode ser considerado elevado se, aliado aos demais, resultar em baixa rentabilidade para a empresa entrante.
Como as multinacionais devem ter menor custo operacional, devido ao seu poderio tecnológico, é pouco plausível supor que sua entrada seja pouco viável, já que elas podem suportar prejuízos no começo do processo desde que vislumbrem lucros futuros atraentes.
Por outro lado, a entrada das multinacionais poderia não ser provável se elas preferissem se associar às empresas locais. No entanto, faz pouco sentido postular que isso decorra de elevadas barreiras à entrada em todos os mercados nos quais se associaram (Japão, China, Reino Unido, México e Argentina).
Tudo indica que elas optaram pelas associações por buscar lucros modestos, mas pouco arriscados, visando dividir o mercado com as nacionais, cujo interesse no acordo só se justifica por temerem a entrada das multinacionais, já que não está prevista expressiva transferência de tecnologia.
A natureza anticompetitiva das associações fica ainda mais patente no caso da Anheuser-Busch; trata-se de divisão de lucros, pois a Antarctica já cedeu 5% de seu capital, podendo ceder mais 24,68% se a multinacional assim o desejar.
De outro lado, as associações têm outros efeitos anticompetitivos. Diminuem a probabilidade de entrada de outras empresas, pois introduzem quatro multinacionais (a Heineken já fez um acordo com a Kaiser, a Skol com a Carlsberg) no segmento premium, no qual seria mais fácil a entrada de concorrentes. É o segmento cujo consumo mais cresce, no qual é menor a força competitiva das empresas nacionais e o que menos requer grande escala de distribuição.
Como se trata das três maiores empresas mundiais -Anheuser-Busch, Heineken e Miller-, a entrada de novos concorrentes torna-se mais arriscada, dada a grande capacidade de reação das primeiras, incrementada pelo apoio das maiores empresas nacionais. Há ainda cláusulas de discriminação de preços e de segmentos de mercado, suprimindo a concorrência entre as associadas durante o largo prazo do acordo.
Portanto, somente a limitação do prazo de duração das associações pode lhes dar um caráter pró-competitivo, ou seja, ter como objetivo preparar uma breve entrada autônoma das multinacionais (o prazo de dois anos parece suficiente, desejável porque o mercado é bastante concentrado no Brasil (o grupo Brahma, incluindo a Skol, detinha 46,6% do total em 1995; a Antarctica, 31,9%, e a Kaiser, 15,2%). Vetar associações de largo prazo que não geram benefícios para os consumidores (o aumento do número de marcas premium é mais que compensado pela não-concorrência entre as empresas associadas) significa manter a perspectiva de entrada dessas multinacionais e/ou de outras empresas.

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