São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 1997
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Morte no porão

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Quantas pessoas morreram? Não se sabe ao certo. Algo entre 20 mil e 25 mil pessoas. Mais as 5.000 baixas registradas entre os soldados.
As palavras de Prudente de Morais não deixaram espaço para hesitações. "Em Canudos não ficará pedra sobre pedra", disse Sua Excelência. "Para que não mais possa se reproduzir aquela cidadela maldita."
Três destacamentos militares já haviam falhado. Uma nova derrota humilharia demais o Exército do Brasil. A 22 de setembro de 1897, as pedras de Canudos já não repousavam umas sobre as outras. A República, finalmente, podia respirar. Antônio Conselheiro estava morto.
Visto através dos filtros da historiografia, o feito militar de cem anos atrás tem outra cara. Transformou-se em uma das maiores vergonhas já patrocinadas pelo Estado brasileiro.
A subversão esmagada pelas tropas de Prudente de Morais não era senão uma horda de lavradores desocupados, negros forros, caboclos sem recursos, doentes. Gente do andar de baixo.
O país não costuma ter olhos para gente assim, sem eira nem beira, como se diz. Agora mesmo, sem alarde, uma nova Canudos está sendo sufocada em nossas fábricas, em nossas construções. Só no ano passado, 5.538 brasileiros morreram vítimas de acidentes de trabalho (um número 49,8% maior que os 3.697 mortos de 1995).
Nesse ritmo, teremos mais uma Canudos em quatro anos. Na ponta do lápis: 5.538 x 4 = 22.152 mortos. O massacre do acidente de trabalho é silencioso, invisível. E não faz apenas vítimas fatais. Há os que ficam inválidos: 25.095 no ano de 1996. Um assombro.
Se não mudarmos as coisas, logo Canudos não nos servirá de parâmetro. A bomba atômica matou 70 mil japoneses em Nagasaki. De novo: 5.538 x 13 = 71.994. Uma Nagasaki em 13 anos. A morte é mesmo trivial quando ocorre no subsolo da pirâmide social.

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