São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 1997
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TV Utopia

OTAVIO FRIAS FILHO

A propósito de recentes "excessos" na guerra pela audiência aos domingos, voltou-se a discutir a conveniência de algum controle sobre a televisão. Esse é um dos temas que vão e vêm; a novidade agora é que a iniciativa não partiu, como das outras vezes, da extremidade mais conservadora no espectro das opiniões.
Saem as "Senhoras de Santana", grupo do subúrbio paulistano que nos anos 70 pressionou pela "moralização" da TV, substituído agora por intelectuais convidados a debater o problema pela deputada Marta Suplicy (PT-SP). Nem censura, nem auto-regulação, a idéia é estabelecer um "controle social" que ninguém sabe definir.
A presença de Marta Suplicy à frente da iniciativa ilustra bem a diferença em relação ao passado. Como sexóloga, ela utilizou a televisão ao protagonizar um programa polêmico na época das "Senhoras de Santana". Como parlamentar, ela tem sido a mais atuante adversária da moralidade patriarcal incrustada no Congresso.
Já se especulou que, com a nova campanha, a deputada amplia sua ação para além do gueto das "minorias de poder", minoritárias também, infelizmente, do ponto de vista eleitoral. Ela responde que a sua militância por esclarecimento e igualdade sexuais é o contrário da livre reprodução de estereótipos que vemos diariamente na TV.
Vamos admitir que a idéia de censura esteja efetivamente descartada, exceto no que se refere a proibições por faixas de horário, aceitáveis numa democracia, embora inócuas na prática. E ainda assim, resta o problema da qualidade da programação, considerada péssima como um todo, seja ela "moral" ou "imoral".
Claro que quem a considera "péssima" é uma minoria, por numerosa que seja. A crer nos índices de audiência (caixa-preta que mereceria, aliás, uma investigação), a maioria está muito satisfeita com o que recebe: sentimentalismo barato a domicílio e de graça. É preciso, portanto, dar opções ao público, insistem os críticos.
Por meio da TV a cabo, a tecnologia tornou esse sonho possível. O resultado é que em vez de escolher entre 6 canais lamentáveis, o consumidor tem 60 possibilidades, igualmente lamentáveis, entre as quais dispersar seu tempo. Parece haver uma lei intrínseca ao veículo: programa que não é ruim, é desinteressante, e vice-versa.
A qualidade da programação é determinada pela base demográfica, ampla demais. Tudo indica que é antieconômico manter uma emissora de alta qualidade, seja isso o que for. Uma das propostas em debate -com leve sabor macartista- é que a pressão seja exercida não sobre o governo ou emissoras, mas sobre os anunciantes.
O problema é que a maioria também tem direito à sua própria opinião sobre o que é "bom" e "ruim", as pessoas que se submetem aos shows de auditório têm o direito de dispor de sua própria "dignidade". Capitalismo não é isso? Uma TV sabidamente "ruim" é menos perigosa, talvez, do que essa TV Utopia com a chancela do "controle social".

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