São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Vendas confirmam: o Brasil é brega

LUIZ ANTÔNIO RYFF; MARIANE MORISAWA
DA REPORTAGEM LOCAL

MARIANE MORISAWA
A MPB pode ter fama e reconhecimento internacional, mas, hoje, a música que vende no Brasil é diferente. É brega. No gosto do consumidor só há lugar praticamente para pagode e axé, um pouco de sertanejo e discos infantis.
Em uma pesquisa do Nopem na última semana de outubro, entre os 50 CDs mais vendidos em São Paulo, apenas um era de MPB, o "Acústico" de Gal Costa. E, mesmo assim, na 44ª posição. De pagode, entretanto, havia dez vezes mais. E três (Só Pra Contrariar, Art Popular e ExaltaSamba) entre os dez primeiros. Essa situação se repete no Rio.
"A MPB tradicional está em crise comercial. Não houve renovação ainda", analisa João Augusto, diretor artístico da EMI. O que vende é o que as gravadoras denominam superpopular. "O que se chamava tradicionalmente de brega, que é a música romântica, não está vendendo nada", afirma ele.
Mesmo assim ainda tem mais espaço e público do que o pop. Na Rádio Link -serviço contratado pelas gravadoras para aferir a programação musical das rádios- do dia 11, "Só Você", de Fábio Jr., estava em terceiro lugar entre as mais tocadas no Rio e em 10º em São Paulo. Gabriel o Pensador era o único representante pop na lista e aparecia só no Rio, em 6º lugar.
Atualmente, o conceito de brega não está restrito à música romântica. "Se ser brega é ser popular e cantar o que o povo sente, nós somo bregas", assume Netinho, vocalista do Negritude Jr. O grupo já vendeu quase 4 milhões de discos e, embalado pelo sucesso, se prepara para rodar, com o diretor Odorico Mendes, o filme "Negritude - O Drama Urbano".
Netinho estrila quando é indagado se considera sua música boa. "A qualidade é tanta que antes quem comprava samba era só negro e pobre. Agora todo mundo ouve", diz ele, que prefere não comparar o samba de Cartola, Nélson Cavaquinho e Paulinho da Viola ao pagode do Negritude Jr., Só Pra Contrariar e Molejo.
"É muito diferente. Existe hoje uma poesia que é moderna. Não podíamos parar no Paulinho da Viola ou no Martinho da Vila. Temos que pedir a bênção a eles. Mas não dá para viver no saudosismo."
E dá a receita do sucesso: "Nós falamos a linguagem do povo, como os Racionais ou o Gabriel (O Pensador), só que falamos de amor", diz ele, que define o Negritude Jr. como samba-pop.
Eles não são os únicos a falar "a linguagem do povo". "Claudinho e Buchecha falam o que o povo quer ouvir e cantam o que sentem", exemplifica João Augusto.
Símbolo nacional
Talvez não seja por acaso que a principal figura da música brasileira hoje é alguém que não abre a boca para cantar e ganhe fama remexendo os quadris.
"No Brasil sempre houve essa imagem de exploração da mulher e de seu corpo. Carla Perez tem muito carisma, sabe dançar, é bonita. As crianças a adoram. Mas ela não simboliza a música", diz Ivete Sangalo, da Banda Eva -outro grupo entre os dez mais.
Netinho faz coro. "O É O Tchan representa a alegria e o renascimento da música baiana com uma nova roupagem. A Carla é um símbolo sexual. O grupo deu certo porque juntou as duas coisas."
Para Ivete, a "música baiana não é apenas bunda. É preciso ter muito peito".
"A música baiana é maravilhosa. Foi dela que surgiu Daniela Mercury, Carlinhos Brown e Timbalada. Existem oportunistas na música baiana, mas eles também existem na MPB", opina.
João Augusto aponta uma peneira para os oportunistas e os sem qualidade: o tempo. "Alguma coisa é muito boa quando você vai ouvir dez anos depois nas rádios. E o É O Tchan não vai tocar."

LEIA MAIS à pág. 4-3.

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