São Paulo, sábado, 15 de novembro de 1997
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Crise anunciada

JOSÉ DIRCEU

É evidente que só o cinismo governamental pode explicar o "pacotaço" desta semana. Segundo o governo, o pacote foi necessário porque os juros dobraram. Nada mau, considerando que o próprio governo dobrou os juros.
A verdade é que o governo desconheceu todos os avisos, a realidade internacional, as propostas da oposição e persistiu em fundamentos macroeconômicos artificiais e insustentáveis: a supervalorização do câmbio e o endividamento sem limites no exterior.
O resultado não poderia ser outro. O Brasil acabou entrando na linha de risco de um ataque especulativo, uma vez que a continuidade dessa política é insustentável. Foi o que aconteceu.
Quando veio o inevitável, o governo preferiu culpar o Congresso e, pasmem, a oposição, e insistiu na ridícula saída das reformas. Pura enganação.
Se o governo tivesse ouvido a oposição e não se deixasse levar exclusivamente por objetivos eleitorais, para aprovar a emenda da reeleição e manter o apoio eleitoral ao candidato Fernando Henrique Cardoso, hoje o Brasil não estaria enfrentando essa crise.
O grave é que ela acentua o caráter autoritário e elitista do governo e de suas decisões. O pacote, bem ao estilo da ditadura e do arbítrio de atos institucionais, foi elaborado na madrugada e, ao contrário do que dizia o presidente, imposto ao país, mudando totalmente sua situação econômica e social.
Os custos sociais não serão apenas a perda de renda dos assalariados e da classe média -únicos punidos pelas medidas. É evidente que a recessão será agravada e que o desemprego aumentará para níveis insuportáveis, com risco de explosões sociais.
É flagrante o privilégio dos bancos, dos capitais especulativos, das altas rendas, dos grandes grupos econômicos. Nenhuma medida foi tomada para que eles arcassem com o ônus dos recursos que o governo quer arrecadar.
A inconsistência do pacote é óbvia. A arrecadação tende a cair, dado o caráter recessivo das medidas, anulando os cortes realizados. Os juros são tão altos que o risco é o ganho de R$ 20 bilhões, se existir, nem sequer cobrir os novos gastos com juros da dívida interna.
No momento, o pacote é incapaz de inverter a vulnerabilidade cambial do país e não resolverá o déficit público. Afora a certeza de que a continuidade dessas taxas de juros é insustentável e o serviço da dívida pública, impagável.
O modelo precisa mudar. É hora de a sociedade começar a se dar conta de que não existe futuro para o Brasil com a política econômica implementada por FHC e pela coalizão conservadora controlada pelo PSDB e pelo PFL.
A abertura comercial, como foi feita, o desmonte dos serviços públicos e as privatizações subsidiadas com recursos públicos -e que estão entregando a infra-estrutura de setores estratégicos da economia a monopólios privados- vão inviabilizar a economia brasileira.
Vivemos o sério risco de uma desestruturação industrial, de uma perda total de autonomia nacional para tomar decisões econômicas. O modelo não tem conserto. Ele é anti-social por natureza, concentrador de renda e da propriedade. Inviabiliza a autonomia do país como nação e, necessariamente, levará a um crescente autoritarismo.
A verdade é que o governo tinha como prever a crise. É evidente que as autoridades deveriam ter tomado medidas para evitá-la. Não era preciso dobrar os juros nem editar o "pacotaço". Mas, para isso, precisávamos ter outro governo e outra política econômica.

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