São Paulo, sábado, 15 de novembro de 1997
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Mãos amarradas

MAX SCHRAPPE

Acredita-se que o pacote econômico tenha sido inevitável, dada a situação de vulnerabilidade do país diante da crise desencadeada pela queda das Bolsas no mundo. O Brasil revelou-se uma peça frágil no "efeito dominó" que, a partir do epicentro em Hong Kong, varreu toda a economia globalizada.
Fomos praticamente reprovados no primeiro grande desafio que a integração dos mercados enfrenta desde sua consolidação, pela soma de três eventos: o fim da Guerra Fria, a criação da União Européia e a implantação da Organização Mundial do Comércio.
Mas essas medidas duras, consideradas indispensáveis para apagar o incêndio, não podem ser analisadas fora do ambiente em que foram geradas.
Tomamos obrigatoriamente um remédio amargo porque adoecemos de um mal anunciado. Interesses políticos puseram obstáculos às reformas. Agora, parece haver pressa em aprová-las. Mas não foi por falta de aviso que os Poderes adiaram a inadiável reforma tributária e deixaram para mais tarde a imprescindível reforma do Estado.
O pacote afeta diretamente o setor produtivo, aumentando a pressão sobre as empresas e, por consequência, bloqueando a geração de empregos.
Há, novamente, um aumento da já sobrecarregada carga tributária, que vai morder 31% do nosso PIB. Mesmo as medidas anunciadas para a contenção do déficit público e as relacionadas às empresas estatais, consideradas adequadas, já deveriam ter sido tomadas há muito tempo.
Com o novo pacote -que nos lembra os momentos mais frustrantes dos planos Cruzado e Collor-, os juros ficaram ainda mais altos, tornando-se extravagantes, exorbitantes, indesejáveis.
Eles podem ser considerados adequados por uma mentalidade cevada na ciranda financeira ou nos artifícios econômicos, mas são incompatíveis com o setor produtivo, que não tem forças para pagar conta tão fora de propósito.
Esses juros podem comprometer ainda mais o emprego e conduzir a um processo recessivo que a ninguém interessa. Ou seja, provocar o efeito contrário ao de qualquer intervenção governamental na economia, pois acreditamos que toda medida é criada para beneficiar o país -ou seja, o seu povo- e não para prejudicá-lo.
Em plena lua-de-mel com o Real, bruscamente interrompida pela crise das Bolsas, acreditávamos estar livres dos pacotes. Vimos que os pesadelos são recorrentes. Para evitá-los, precisamos de estratégias mais consequentes por parte do governo, com um mínimo de margem de segurança, sintonizadas com as advertências da sociedade.
Isso serviria para impedir que, de mãos amarradas, tivéssemos de concordar com medidas que contrariam toda a pregação dos empresários. Pois o que queremos mesmo são as reformas estruturais e constitucionais.

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