São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Ninguém assume paternidade do IR maior

VALDO CRUZ; MARTA SALOMON; VIVALDO DE SOUSA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ministério do Planejamento passa responsabilidade para Fazenda, que diz que idéia é da equipe de Kandir

Seis dias após o anúncio do pacote fiscal, ninguém no governo quer assumir a paternidade da medida mais polêmica e que provocou uma rebelião na base governista: o aumento do Imposto de Renda da Pessoa Física.
O Ministério do Planejamento joga a responsabilidade para o Ministério da Fazenda. A equipe de Antonio Kandir argumenta que sua tarefa no pacote foi apenas a de elaborar os cortes no Orçamento.
No Ministério da Fazenda, por sua vez, há quem aponte a equipe do Planejamento como autora original da idéia. A Secretaria da Receita Federal, órgão responsável pela arrecadação de tributos da União, chegou até a criticar a medida, recebendo-a com surpresa.
Apesar de ninguém assumir sua autoria, a medida foi encampada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso depois de uma consideração: era "complicado" passar parte da conta do ajuste para a classe média, mas "necessário".
As 51 medidas do ajuste fiscal receberam o aval de FHC em quatro horas de reunião no Palácio da Alvorada, no domingo passado.
Durante o encontro, FHC ouviu dos ministros que sem o pacote fiscal o Plano Real não sobreviveria mais do que seis meses, morrendo antes do início da campanha pela reeleição.
CPMF sepultada
A reunião no Alvorada serviu ainda para sepultar a proposta de aumento de 0,20% para 0,25% da CPMF (o imposto do cheque).
Os ministros chegaram a levar a idéia ao presidente, mas não tinham por ela nenhuma simpatia. Queriam apenas saber a opinião do presidente.
No final da semana, diante de um desfecho ainda incerto para o crash global, a equipe econômica não descartava um acordo formal com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para reforçar as reservas e sinalizar que a economia brasileira está no "rumo certo".
O governo começou a semana confiante de que o ajuste fiscal de R$ 20 bilhões seria capaz de neutralizar as apostas contra o real.
Como a reação do mercado não foi a esperada, o ministro Pedro Malan (Fazenda) e o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, partiram para uma operação corpo-a-corpo de convencimento dos investidores e autoridades internacionais.
Um resultado dessa operação aparece em relatório do banco de investimento Merril Lynch, distribuído na sexta-feira a seus clientes. Intitulado "Brasil: destaques de encontros com Gustavo Franco e o ministro da Fazenda", o texto traz declarações do presidente do BC. Uma delas: "O BC não hesitará em usar suas reservas ou taxas de juros para defender o real".
Chega a dizer que o ganho fiscal de R$ 20 bilhões será conseguido com apenas 31 das 51 medidas. Computando todas as decisões, o banco diz que o ganho pode chegar a R$ 30 bilhões.
O relatório apresenta ainda quatro fatores que descartariam uma desvalorização do real no curto prazo. O último e mais importante diz que o Brasil ainda não esgotou seu arsenal de medidas contra a desvalorização do real, que inclui reservas de US$ 52 bilhões a US$ 55 bilhões, um plano de privatização de US$ 69,9 bilhões nos próximos dois anos, outras medidas na área fiscal e até um acordo com o FMI como um último recurso.
IR de 35%
A reconstituição da montagem do pacote fiscal mostra que o polêmico aumento do IR só apareceu nas vésperas do anúncio das medidas e com uma alíquota bem maior do que a divulgada.
O governo começou a trabalhar no ajuste fiscal antes de a Bolsa de Hong Kong despencar 10,4%, em 23 de outubro. O alerta soou quando Filipinas, Malásia e Indonésia desvalorizaram suas moedas no rastro da crise que atingiu a Tailândia em julho.
FHC foi apresentado à primeira versão do pacote fiscal no dia 3 de novembro, uma segunda-feira. Na sexta-feira anterior, o BC já havia dobrado suas taxas de juros para conter a especulação contra o real.
A primeira versão não incluía o aumento do IR. Mas surgiu durante a reunião do presidente com seus ministros, na forma de uma nova alíquota, de 35%.
Novidades
Outras três novidades tributárias chegaram a ser discutidas, como a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, heranças e combustíveis. As duas primeiras foram descartadas, e a terceira, convertida no reajuste dos combustíveis.
Até aquele momento, o governo trabalhava com a expectativa de só anunciar o ajuste dez dias depois, quando a Câmara tivesse aprovado a reforma administrativa.
Uma nova queda nas Bolsas levou FHC a apressar o anúncio do pacote. Quando o presidente divulgou na Colômbia que medidas duras seriam baixadas na segunda-feira, dia 10 de novembro, a equipe econômica teve de correr contra o tempo. Foi obrigada a trabalhar durante todo o fim-de-semana, a tempo de submeter as medidas a FHC.
A proposta de aumento do IR tem pelo menos um defensor público, Fábio Giambiagi, gerente de macroeconomia do BNDES, ligado ao Ministério do Planejamento.
Apontado na Receita Federal como o pai da idéia, Giambiagi confirma apenas que escreveu dois artigos defendendo a proposta de adicional de 20%, e não de 10%.
"A proposta é altamente defensável. Afinal, é a classe média que mais se beneficia do gasto público. É ela que frequenta as universidades e se aposenta por tempo de serviço", afirma o economista.
Ele não livra, porém, os ministros da responsabilidade pela autoria da idéia. "Posso ter colocado a criança no ar ao escrever os artigos, mas não a vesti", diz.
Os ministros não acham relevante identificar o pai da idéia, já que ela não é inédita. Já foi patrocinada há quatro anos pelo próprio FHC, quando era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.
Naquela época, FHC enfrentou três meses de resistências e defendeu o aumento do IR com os mesmos argumentos ouvidos hoje: "Essa é uma pequena contribuição do conjunto da sociedade".

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