São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 1997
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A BM&F, a crise e o pacote fiscal

MANOEL FELIX CINTRA NETO

A crise do mercado financeiro mundial afetou de forma mais intensa os países que dependem fortemente de financiamentos externos para equilibrar suas contas. O Brasil está entre eles, devido ao déficit em conta corrente, o que nos levou, neste ano, a atrair cerca de US$ 50 bilhões, entre empréstimos e investimentos externos.
Esse valor poderá ser menor em 1998 em função do pacote fiscal anunciado pelo governo, que reduzirá o déficit da balança comercial. Mesmo assim, a nossa dependência do capital estrangeiro continuará grave e delicada, pois teremos de gerar empréstimos de curto prazo num mercado hoje arredio, cujo comportamento não podemos prever.
Com o atraso das reformas estruturais, que permitiriam reduzir a nossa dependência da política monetária e libertar o câmbio, tornou-se mais evidente a fragilidade da posição brasileira num mercado em crise e do qual dependemos tanto.
Os últimos acontecimentos na Coréia do Sul mostram que a crise não acabou. Urge que continuemos mobilizados para enfrentar novos abalos. Nesse sentido, devemos louvar a atuação do Banco Central, que agiu com firmeza e transparência, no momento certo, usando os instrumentos de que dispunha. Foi uma terapia que tinha seu preço e trazia para o mercado suas consequências previsíveis, mais inevitáveis.
O resultado, porém, não teria sido possível ou completo sem a pronta ação do BC, da Comissão de Valores Mobiliários e das Bolsas - BM&F e Bovespa - para atenuar tensões e equilibrar o mercado atingido pela forte e brusca elevação das taxas de juros, pelas pressões sobre o Real e pela queda das cotações.
As instituições que souberam utilizar os instrumentos oferecidos pela BM&F reduziram ou até eliminaram seus prejuízos, defendendo-se das violentas oscilações que punham em risco a liquidez do mercado.
Assim, por exemplo, os fundos de ações que estavam vendidos em índice no mercado futuro conseguiram neutralizar as perdas no mercado acionário com os ganhos obtidos na BM&F. O mesmo ocorreu com os contratos de taxas de juros.
Diante da grande volatilidade dos preços, numa ação sintonizada com a CVM e o Banco Central, a BM&F e a Bovespa utilizaram os mecanismos de auto-regulação previstos em seus estatutos.
A BM&F adotou medidas de equilíbrio do mercado, como aumento da margem de garantia dos contratos, limite de oscilações de preços e mudança no horário de pregões do índice Bovespa e de taxa de juros.
Se não tivesse utilizado, por exemplo, o mecanismo de limite de oscilações de preços, as variações dos valores dos contratos futuros teriam sido violentas na abertura do mercado em 31 de outubro, um dia após a decisão do BC de dobrar a taxa de juros. Em consequência, os ajustes diários também teriam sido elevadíssimos, fato que poderia colocar em risco a liquidez do sistema.
Algo semelhante aconteceu com as margens de garantias depositadas pelos investidores junto à BM&F. Para os leitores menos acostumados com o complexo mecanismo desse mercado, uma explicação: a margem de garantia é depositada pelas partes que negociam um contrato futuro, tanto por quem vende quanto por quem compra. Ela só é usada caso ocorra inadimplência de uma das partes e podem ser feitas em dinheiro, títulos públicos federais, ações, etc.
Com o acréscimo de margens solicitadas pela BM&F, as garantias saltaram de R$ 9,1 bilhões, antes da crise, para R$ 12,7 bilhões.
Os mecanismos do mercado futuro e a ação imediata e rápida da BM&F, permitiram que os investidores superassem os momentos mais graves da crise, atenuando as oscilações e perdas nos mercados. As margens e ajustes diários requeridos pela Bolsa foram depositados e liquidados nos prazos regulamentares.
Não houve nenhuma liquidação compulsória de contratos, apesar dos dias tumultuados que viveu o mercado; não ocorreu também nenhuma comunicação de inadimplência de clientes por parte das corretoras da BM&F, o que poderia ter acontecido diante da forte elevação dos juros e das bruscas oscilações dos mercados se aquelas providências não tivessem sido adotadas no momento exato.
Tudo funcionou como previsto. A BM&F cumpriu o seu papel de equilibrar os mercados e atenuar os efeitos das grandes altas e quedas dos índices, permitindo que superássemos aquele momento crucial.
O mercado futuro mostrou a importância da utilização dos mecanismos de proteção de preços para os agentes econômicos e financeiros.
Esperamos apenas que os duros e dramáticos momentos por que passamos e que expuseram a nossa perigosa dependência externa levem todos, governo. Congresso, empresários e sociedade, a se compenetrar de que é preciso apoiar as medidas de ajuste fiscal agora anunciadas. Elas são absolutamente necessárias para restabelecer a nossa credibilidade no exterior. Ficamos à espera de uma mobilização do Congresso para a aprovação das reformas definitivas que consolidarão o Plano Real.

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