São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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Ganhos e perdas cambiais

CELSO PINTO

Se o Banco Central mantiver a desvalorização cambial deste mês em 0,6%, deverá dar ao Banco do Brasil um enorme lucro, já que o BB foi um vendedor pesado de dólares no mercado futuro. Só tem um problema: se o Brasil tivesse sido obrigado a desvalorizar a moeda, o BB teria um forte prejuízo.
Como todos suspeitam que o BB, na realidade, agiu em nome do BC, a conclusão é incômoda. Se o BB tivesse prejuízo, o Tesouro, em última instância, cobriria as perdas. Se tiver lucro, contudo, ele será dividido com os acionistas privados do BB.
Ou seja, é um jogo onde o prejuízo, em última instância, é socializado, enquanto o lucro é parcialmente privatizado. Hoje, o governo detém cerca de 72% do capital do BB, enquanto 28% está pulverizado entre acionistas privados.
Existem 191 mil contratos de dólares em aberto no mercado futuro para vencimento no início de dezembro, isto é, correspondente à cotação do dólar no final de novembro. Isso equivale a US$ 19 bilhões. Para o vencimento no início de janeiro existem mais 148 mil contratos em aberto, valendo US$ 14 bilhões.
São números enormes e por uma boa razão. Grande parte das operações foi fechada durante o terremoto financeiro das últimas semanas. Muitos compraram dólares porque tinham alguma dívida em dólares e temiam um prejuízo se houvesse uma desvalorização. Outros compraram dólares simplesmente porque apostaram na desvalorização.
E quem vendeu? Um dos grandes vendedores no mercado foi a distribuidora do BB, como admitiu seu presidente, Evandro Lopes, à repórter Mara Luquet, do Investnews. Nem o BB nem a Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F) dizem quanto, mas é possível ter alguma idéia sobre o valor.
Em setembro, antes da crise, as distribuidoras (DTVM) eram responsáveis por apenas 7% das posições vendidas de dólares na BM&F. Hoje, respondem por 38% do total, ou 159 mil contratos em aberto para diversos vencimentos, equivalentes a US$ 15,9 bilhões. Lopes disse que a maioria dessas posições de venda de DTVMs correspondia ao BB e a seus clientes.
Existe uma regra na BM&F que diz que nenhum participante do mercado pode ter uma posição própria superior a 5.000 contratos, ou 15% das posições em aberto, o que for maior. O limite de operações do BB em seu próprio nome, portanto, seria algo em torno de US$ 5 bilhões nas posições de dezembro e janeiro. No entanto, o BB poderia operar ilimitadamente em nome de vários clientes, respeitados os limites individuais -e o fez, pelo que sugeriu Lopes.
O BC, teoricamente, poderia ser um desses clientes. A BM&F não revela o nome dos clientes finais mas, se o BC usasse seu próprio nome, seria algo inédito na história do mercado. Fontes do mercado e fontes próximas à direção do BC garantem que o banco usou o BB para vender dólares no mercado futuro e acalmar os ânimos.
Vários bancos centrais ao redor do mundo operam, em certas circunstâncias, em mercados futuros. O BC da Tailândia, por exemplo, comprometeu US$ 24 bilhões em vendas de dólares no mercado futuro, de um total de US$ 30 bilhões de reservas que tinha antes de ter que desvalorizar sua moeda.
No caso do Brasil, suspeita-se que o BC já tenha operado no mercado futuro no passado e, intensamente, na crise das últimas semanas. Só em relação ao vencimento do início de dezembro, quem vendeu dólares no pico da especulação, em outubro, já lucrou 1,3% só com o recuo das cotações no mercado futuro. Se o BC mantiver a desvalorização em 0,6% no mês, calcula-se que quem vendeu dólar caro durante a confusão vai ganhar mais de 1%. Sobre um total de US$ 19 bilhões de posições em aberto, isso significa US$ 190 milhões.
Se o BB for, de fato, um grande ganhador, o Tesouro vai embolsar a maior parte do lucro, já que o pacote determinou que o BB, entre outros, repasse todo o lucro que apurar neste ano aos acionistas. Os acionistas privados do BB, contudo, também terão uma fatia.
Entre os perdedores, estarão alguns especuladores de porte em Nova York. Parece um prejuízo pesado, mas o cálculo de quem especula é que uma desvalorização pode render até 50%, se valer o exemplo asiático. Ou seja, o prêmio é muito tentador.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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