São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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Lições da crise

GUIDO MANTEGA

Quando, em 1929, a Bolsa de Nova York veio abaixo, o Banco Central americano, o Fed, resolveu elevar a taxa de juros e cortar o crédito para acabar com a bolha especulativa, que elevara o preço das ações às alturas.
O resultado não poderia ser mais catastrófico. Em vez de injetar oxigênio numa economia combalida, o Fed asfixiou as empresas e os indivíduos que perdiam ativos nas Bolsas e não tinham como pagar os empréstimos bancários. Conclusão: o sistema financeiro também foi de embrulho e deu início à "longa noite" da depressão americana.
Nessa época, o crash produziu um grande déficit na balança comercial brasileira, porque os preços do café, nosso maior produto de exportação, despencaram. Isso detonou uma fuga de capitais externos, obrigando o governo brasileiro a desvalorizar o cruzeiro em cerca de 40%.
Em função da desvalorização cambial, as exportações baratearam e se recuperaram, a economia brasileira foi reativada e ainda houve um incentivo à industrialização, graças ao encarecimento dos produtos importados.
Qual é a lição que podemos extrair de fatos tão longínquos? Antes de mais nada, que a elevação da taxa de juros pode ser trágica numa economia em dificuldades e pode desencadear uma quebradeira generalizada.
Em segundo lugar, que a desvalorização cambial pode ser um mal necessário, que diminui os desequilíbrios nas contas externas. Em terceiro lugar, que a ação desastrada do governo pode aprofundar a crise em lugar de minorá-la.
Na verdade, o festival de equívocos da política econômica brasileira começou muito antes da turbulência financeira asiática. Data do início do Real, quando foram cometidos dois erros crassos, ainda no governo Itamar Franco.
Por um lado, o ministro da Fazenda, Ciro Gomes, assinou o acordo de Ouro Preto, suprimindo o que restava das barreiras tarifárias. Por outro, o BC resolveu que bastavam R$ 0,83 para adquirir US$ 1,00, produzindo a única sobrevalorização cambial decretada pelo governo de que se tem notícia na história brasileira. Foram esses dois fatores que criaram um buraco de mais de US$ 50 bilhões por ano nas contas externas, que vai se alargando e ameaça engolir as reservas do país.
O governo Fernando Henrique Cardoso é réu confesso, uma vez que reconheceu a insensatez de fazer uma abertura comercial indiscriminada, quando reconstituiu as alíquotas de importação de carros, têxteis, autopeças e bens de capital. E também admitiu tacitamente os malefícios da sobrevalorização cambial quando começou, muito timidamente, no início deste ano, a fazer a desvalorização mensal do real. Mas, infelizmente, já era tarde.
A crise asiática pegou a equipe econômica de calças curtas e o Brasil mais vulnerável do que nunca. Os alertas da oposição foram solenemente ignorados nestes mais de três anos de Real.
Para o governo, o jeito foi adotar uma estratégia muito semelhante àquela da crise do México. Ou seja, colocar os juros na estratosfera e reduzir o crédito, para evitar a fuga de capitais e pisar no freio da economia. Nesse sentido, o pacote fiscal é apenas uma linha auxiliar do choque de juros e visa, sobretudo, consertar o estrago nas contas públicas e reforçar a austeridade.
Mesmo as medidas que favorecem as exportações e a sobretaxa de 3% nas importações, a esta altura, não passam de paliativos, que não diminuem a ameaça que hoje paira sobre a economia brasileira. Agora, no meio da turbulência, é recomendável adiar a desvalorização cambial e rezar para que o mercado se acalme.
Cabe, isso sim, adotar medidas defensivas para aliviar o impacto sobre os setores que tradicionalmente pagam o pato dos pacotes econômicos. Tais como linhas de crédito para socorrer as pequenas e médias empresas, ampliação do seguro-desemprego e programas de amparo aos desempregados, que proliferarão em todo o país com a desaceleração das atividades.
Por enquanto, o BNDES está "socorrendo" os megaempresários, que estão participando do bilionário programa de privatizações, como no caso da CPFL, e aqueles que querem comprar ações das próprias empresas nas Bolsas. Por que, então, não abre o cofre, pelo menos uma vez, para os de renda mais baixa?
Certamente, ainda estamos muito distantes do trágico cenário da crise de 1929. Porém, é bom não facilitar, porque ficou demonstrado que, afinal, o santo do Real é de barro.

E-mail: gmeb@mandic.com.br

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