São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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FMI já

LUÍS PAULO ROSENBERG

O presidente do Banco Central declarou categoricamente que não iremos ao FMI. Não precisamos nem dos conselhos nem do dinheiro deles, declarou o perplexo economista. A chefe da missão do FMI que aqui se encontra confirmou o desinteresse tupiniquim pelo apoio da instituição.
De pronto, quero deixar bem claro que jamais passei por experiência mais humilhante do que negociar com o FMI, enquanto trabalhava no governo. Realmente, discutir os detalhes da política econômica do seu país com um bando de burocratas devotados exclusivamente à preservação da saúde do sistema financeiro internacional é o que há de desgastante. Trata-se de um diálogo de surdos, onde o nosso lado fala de prioridade da política econômica enquanto eles monocordicamente exigem mais cortes, mais juros, mais sofrimento.
Durante os três anos do governo Figueiredo em que fiz parte da equipe brasileira de negociação com o FMI aprendi que a violação do sentido de nacionalidade que o acertar-se com ele acarreta é tal que recorrer ao FMI deve ser mesmo só como último recurso.
Infelizmente, a opção deste governo foi pela aposta de risco: conviver com o déficit fiscal; manter o real sobrevalorizado, removendo a defasagem em suaves prestações mensais com medo de pressionar a inflação; praticar juros reais escorchantes para anular o efeito inflacionário do gasto público excessivo e atrair do exterior parte da liquidez abundante para financiar o crescente déficit em transações correntes.
Ao agravar-se a crise do Sudeste Asiático, foi inevitável que os refletores girassem em nossa direção. Afinal, se as perdas colossais sofridas pelos investidores internacionais estreitavam a disponibilidade de recursos e tornavam mais rígidos os critérios de seleção dos países que continuariam recebendo empréstimos, como esquecer que o Brasil vinha dobrando seu déficit comercial a cada ano, mantinha intocado o déficit nominal do governo e tinha uma longa história de moratórias da dívida externa?
A reação da comunidade financeira foi instantânea, estancando os novos financiamentos exigidos pelo déficit atual. Pior: tornou-se impossível renovar os vencimentos do estoque da dívida privada, secando a renovação dos eurobonds das nossas melhores empresas.
Foi para contornar esse sufoco que a equipe econômica foi forçada a dobrar os juros internos e a soltar o pacote fiscal da semana passada. Lamentavelmente, tal esforço pode ter sido na direção correta, mas não conseguiu reativar a entrada de dólares que nos tranquilizaria quanto à viabilidade da política econômica atual. Mormente quando lembramo-nos de que vamos precisar cerca de US$ 10 bilhões até março próximo só para honrar vencimentos programados da dívida externa total.
Consequentemente, o governo decidiu reduzir os prazos permitidos para assunção de dívidas no Exterior. Hoje, pode-se rolar um vencimento por um prazo de seis meses, uma medida que deve ser aplaudida pelo pragmatismo e temida pelas consequências, ao viabilizar um encurtamento tão drástico do prazo marginal de vencimento da dívida externa.
Por tudo isso, a declaração de Gustavo Franco de que não temos nada a ganhar com o FMI é um exercício em futilidade. Precisamos sim do FMI como avalista e provedor de um colchão de reserva -algo como US$ 20 bilhões entre recursos do FMI e do Tesouro americano- e assim normalizar de vez o influxo de fundos internacionais.
É o dinheiro mais barato do mundo e o impacto psicológico de termos fundos extras e a credibilidade do FMI assegurando a qualidade de nossa política econômica representam vantagens que não podem ser descartadas numa crise profunda e duradoura como esta, na qual fomos pegos perplexos e com as calças arriadas.
Não tenhamos ilusões: será uma negociação dolorosa, em que o FMI tentará macerar nossa moleira, depois de tantos anos em que conseguimos mantermo-nos ao largo da receita recessiva deles. Certamente eles aceitarão que a política cambial atual seja mantida, mas o esforço fiscal e a abertura da economia serão julgados insuficientes.
De qualquer forma, é melhor ir agora, eretos, enquanto temos mais de US$ 50 bilhões em reservas, do que de quatro, se outra lufada histérica da Ásia nos tomar mais um caminhão de dólares de investidores inquietos, dada a nossa vulnerabilidade.

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