São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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CD reafirma pureza da arte

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Alceu Valença quis cuidar de sua vida; Fagner foi ventilado substituto, mas a maldição não se consumou. Assim, o segundo volume de "O Grande Encontro" aparece em formação essencial: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho.
Assim se alcança de fato -e apesar da falta de Alceu- o que se pretendia desde o primeiro encontro, em 96: a reunião consequente das mais simbólicas expressões do pop nordestino pós-tropicalista.
Antes era um CD ao vivo, de repertório inconstante, algo amador. Agora, as vozes agrestes dos anos 70 se reúnem profissionais, lapidadas em estúdio, forradas de arranjos elegantes e naturais.
É dada a superação da era romântica da MPB, que a tropicália sepultou e vozes rebeldes como a de Zé Ramalho ainda burilavam.
Dá-se enfim o aprendizado das estratégias de guerra, de marketing. Quanto à arte, reafirmam-na pura como ela foi desde que começou a ser por eles beliscada. Pois bem, a geração desses artistas foi, desde sua origem, antitropicalista. E é esse sinal que "O Grande Encontro 2" procura ressaltar.
Pois não é que o álbum começa com "Disparada", de Geraldo Vandré, o esquerdista antitropicalista por excelência? É um início corajoso, e assim o disco vai.
O repertório, conciso, contempla o cerne de obra de Geraldo ("O Princípio do Prazer", "Canção da Despedida", também de Vandré) e a fúria épica de Zé Ramalho, em versões soberbas de "Banquete de Signos" e "Eternas Ondas".
Contempla a simbiose Zé/Geraldo (na parceria inédita "Miragens", promessa de revitalização de dois autores algo perdidos nos últimos anos) e o nobre ajoelhar de Elba frente à nobreza dos outros dois. Dedicada a servi-los, abandona excessos e baixa contida, verdadeiro cavalo da pureza agreste.
Como tal, a intérprete descobre-se sutil e se transforma na grande fonte de brilho do CD, o que é um prodígio de Zé, de Geraldo e, acima de tudo, de Elba.
O resultado é um trabalho de reafirmação de qualidades que o tempo tem colocado em dúvida. Ausenta-se o medo da anacronia, e tal despojamento permite até a contemporaneidade não-forçada. É o que se dá no repente "O Autor da Natureza":
"Tem um verso que fala da maconha/ Que é uma erva que dá no meio do mato/ Se fumada provoca o tal barato/ A maior emoção que a gente sonha/ A viagem às vezes é medonha/ Dá suor, dá vertigem, dá fraqueza/ Porém quase sempre é uma beleza/ Eu por mim experimento todo dia/ Se tivesse um agora eu bem queria/ Pois a coisa é da santa natureza". Eles que se cuidem, a polícia está solta.

Disco: O Grande Encontro 2
Artistas: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18, em média

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