São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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Cultura brasileira: identidade e diversidade

O fenômeno da aculturação é tão intenso que ainda vai nos revelar muitas e positivas surpresas
MARCO MACIEL
A proximidade dos 500 anos do nosso descobrimento -ou "achamento"- enseja uma reflexão sobre nossa história e formação como nação e sobre a nossa inserção no que se convencionou chamar de "civilização ocidental".
Como assinalou o professor José Honório Rodrigues, as duas maiores conquistas do Brasil são a integridade territorial e a unidade linguística. A primeira é extraordinária, se atentarmos para o fato de que, obedecidos os critérios políticos que balizaram a colonização oficial, em decorrência do Tratado de Tordesilhas, teríamos hoje apenas um terço do território que ocupamos.
A segunda não é de menor significação quando sabemos que até meados do século 18, na maior parte do que hoje é a região Norte e em boa parte da Centro-Oeste, falava-se ainda a "língua geral", e não o português, como lembrava Capistrano de Abreu. São, portanto, duas realidades forjadas mais pelo povo do que pelo poder público.
Ao lado disso, nossa diversidade cultural e étnica é também um notável patrimônio. Seu caráter dinâmico, de permanente renovação, caracteriza-se pela "polinização", se assim podemos denominá-la, e pela constante capacidade de assimilação de tantas e tão variadas culturas em todas as regiões do país.
O mapa da diversificação, portanto, não é só a geografia da nossa ocupação, mas também a persistência de modelos encontrados desde a colonização. Essa alogamia extraordinariamente fecunda de diferentes hábitos, costumes, crenças, lendas e superstições, com influências tão profundas na formação da nacionalidade, torna-se ainda mais próspera quando constatamos que a diversidade não é essencialmente localizada. Ela se espraia por todo o país. O fenômeno da aculturação é tão intenso que, seguramente, ainda vai nos revelar muitas e positivas surpresas.
Não se pode deixar de assinalar a contribuição de origem africana. Por sua força e inegável influência em nossa formação cultural, mereceu, em pleno início da nossa vida independente, a famosa frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: "A África civiliza o Brasil".
Ao mesmo tempo, porém, foi a mais esquecida, a mais perseguida e a maior vítima de discriminação, sob todos os aspectos: étnico, religioso, cultural e político. Por isso é enorme, e ainda não resgatado, o nosso débito para com a contribuição africana ao Brasil, já que os escravos eram, como escreveu Antonil, "os nossos pés e mãos".
A submissão pela violência, esse estigma que Nabuco condenou com tanta veemência e por cuja erradicação lutou com o empenho de sua edificante vida, terminou, como sabemos, propiciando hábitos e costumes que permearam boa parte da sociedade brasileira.
Isso não quer dizer que os indígenas não tenham sofrido dos mesmos males, entre os quais se incluem o do próprio extermínio e de sua indiscutível marginalização. Nesse caso, as virtudes da miscigenação não apagam nem abrandam os vícios da discriminação.
Evidentemente, só seremos uma grande nação não apenas no dia em que formos uma grande democracia política, como assinalou Maurice Duverger, mas sobretudo quando formos, como disse o presidente Fernando Henrique Cardoso, um país menos injusto -uma autêntica e verdadeira democracia racial. Temos uma enorme dívida para com a nossa herança africana e indígena, não só no que diz respeito à igualdade de oportunidades, mas também no tratamento não discriminatório em matéria econômica.
Acredito, porém, que é tão rica, tão abrangente e tão profunda a contribuição da diversidade em nossa formação que basta nos conscientizarmos de sua significação e a valorizarmos em todas as suas expressões para que ela continue a contribuir para engrandecer o caráter nacional e enriquecer nossa já reconhecida criatividade.

Marco Maciel, 57, é vice-presidente da República. Foi governador do Estado de Pernambuco (1979-82), senador pelo PFL-PE (1982-94) e ministro da Educação (governo José Sarney).

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