São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 1997
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A crise de 1997

PAUL SINGER

Os sucessivos crashes (falta-nos uma onomatopéia tão expressiva em português) nas Bolsas do mundo inteiro estão suscitando angústia e perplexidade por toda parte. A sua causa é menos misteriosa do que parece.
Nos últimos anos as Bolsas subiram, algumas mais, outras menos, quase incessantemente. Com o que quer que se comparem as cotações, não resta dúvida de que elas estão acima das médias históricas. De modo que sua queda, mediante crashes ou minidesvalorizações sucessivas, já era esperada.
Na realidade, mais difícil e mais relevante é explicar a longa e exagerada elevação das Bolsas. Nelas são leiloadas diariamente as principais empresas do país, assim como algumas de outros países, sobretudo transnacionais.
Todo dia, a oscilação do índice das cotações das principais empresas "listadas" é publicada, revelando quanto o seu conjunto se valorizou ou desvalorizou em relação ao dia anterior. Normalmente, transacionam-se frações minúsculas do capital de cada empresa.
Altas e baixas correspondem, em geral, a mudanças econômicas que afetam a rentabilidade esperada de certas empresas. Como elas concorrem entre si, as mudanças que favorecem algumas desfavorecem outras, de modo que o dinheiro dos jogadores flui das últimas às primeiras sem que os índices das Bolsas sofram grandes alterações.
Mas há momentos em que companhias são negociadas como um todo -quando há fusões entre empresas ou quando uma adquire outra, com ou sem o consentimento da última.
Isso também ocorre quando estatais são privatizadas. Nos últimos anos, tem sido extraordinariamente intenso o movimento de fusões e aquisições de empresas de grande porte no mundo todo, assim como o de privatizações -o que foi uma das causas principais da alta incessante dos índices.
Quando uma grande empresa adquire outra, ela aplica muitos milhões ou bilhões na compra de ações, valores frequentemente "alavancados" por empréstimos bancários. Os felizes possuidores de ações das empresas negociadas, em geral, ganham com a sua valorização. Os índices das Bolsas sobem; com isso, elas atraem mais investimentos, pois prometem ser mais rendosas que aplicações a juros.
Cria-se um clima de otimismo à medida que as expectativas de alta das cotações se realizam. Quem entra na Bolsa não visa mais retorno a longo prazo, mas ganho com a valorização imediata. Cada alta atrai capitais; estes, ao adquirir ações, acarretam nova alta.
Grandes fluxos de capitais se dirigiram, nos últimos anos, às Bolsas das economias "emergentes", financiando uma expansão excessiva da capacidade de produção, sobretudo no leste da Ásia. As economias dessa região têm crescido entre 7% e 10% ao ano em função de suas exportações aos mercados do Primeiro Mundo. Mas estes cresceram em um ritmo muito menor.
É óbvio que a capacidade das economias do leste da Ásia de deslocar produção doméstica e/ou exportações de outros países no mercado mundial esbarraria em limites. Isso acabou se dando agora. Por isso a crise da economia mundial começou naquela região.
Um exemplo ilustrativo é o da Coréia do Sul. Várias de suas grandes companhias, as "chaebol", roubaram do Japão a primazia no mercado dos chips de memória, uma conquista memorável. Mas, recentemente, a demanda pelo produto cresceu menos que a oferta; o preço unitário do chip de 16 megabites despencou de mais de US$ 50 para menos de US$ 10 em menos de um ano.
Em consequência, a Samsung, a Hyundai e a LG passaram a ter prejuízos, o que comprometeu os bancos do país, que financiaram os grandes investimentos numa capacidade de produção agora redundante ("The Economist", 1º/11, pág. 62).
Os ataques especulativos às moedas asiáticas partiram da constatação de que o desequilíbrio externo invalidava as cotações cambiais vigentes. Os governos reagiram de forma padrão (como o do Brasil nas últimas semanas), elevando os juros para reter as aplicações nas moedas nacionais.
Não adiantou muito, porque os governos foram obrigados a deixar que o câmbio se desvalorizasse. Mas a elevação dos juros deprime a demanda interna e o nível de atividade e atrai para fora das Bolsas o capital nelas aplicado. Ele passa a dar preferência às obrigações a juros. Dessa maneira, as crises cambiais contaminaram as Bolsas.
A crise atravessou o Pacífico e atingiu -entre outros países- o Brasil porque o desequilíbrio era o mesmo: grandes déficits em conta corrente cuja acumulação produziu volumosa dívida externa. O crescente serviço da dívida, inflado pela elevação dos juros, exige crescente receita de exportações e/ou novas entradas de capitais externos.
Ora, com a desvalorização das moedas da Ásia, a competitividade dos produtos do Brasil e de seus vizinhos fica comprometida, o que torna até a sustentação do atual nível de exportações duvidosa. Como os capitais estão em retirada dos mercados "emergentes", é possível que os "latinos" também tenham de desvalorizar suas moedas.
É provável que a crise não poupe o Leste Europeu, o terceiro vértice da tríade "emergente". Assim, um país após o outro está sendo obrigado a elevar juros e impostos e a cortar inversões e gastos públicos.
Os ajustes recessivos se combinam e se reforçam num mundo já bastante globalizado. As previsões de crescimento estão sendo revistas para baixo, o que torna redundantes capacidades de produção que antes correspondiam à expansão esperada dos mercados.
Ao desequilíbrio externo dos países "emergentes" se agregam, agora, os efeitos das medidas defensivas das moedas nacionais, que configuram um vasto ajuste recessivo mundial.
No mundo, como no Brasil, a ortodoxia liberal prega medidas "duras, impopulares", que reduzem gastos, diminuem consumo e investimento, derrubam o nível de atividade e de emprego. Enquanto essa visão predominar, a economia mundial estará entrando numa crise de proporções ponderáveis.

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