São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Não troque seu cão por uma criança pobre

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Estamos acostumados a enxergar tudo às avessas. Roberta Close foi símbolo sexual. Thereza Collor, PhD em sandálias havaianas, é preferência nacional. E a gracinha do Eduardo Dusek, lembra, já se viu celebrado por aquele verso solidário: "Troque seu cachorro por uma criança pobre".
Um país que despreza cachorros só pode mesmo ser ruim da cabeça e doente do pé.
Não bastassem os exemplos de civilidade perpetrados por pais que avançam o sinal, jogam papel no chão e aplaudem o filho que cola, ainda temos de conviver, você e eu, ó leitor, de lapidação iluminista, com essa cambada sem a menor noção do significado da incondicional lealdade, fidelidade e afeto dos cães.
Encho a boca para condenar a ignorância tapuia. Segundo uma recente edição da revista "Nosso Cão", no currículo das escolas públicas dos EUA foi incluído um curso chamado "best friends" (melhores amigos), que trata de ensinar a molecada sobre a maravilhosa experiência de conviver com um mascote cão.
Veja: quando chove, costumo levar meu salsicha para passear no shopping Iguatemi, o único lugar coberto da cidade que permite a circulação de sacos de pulgas.
Sempre me irrito com uma cena recorrente, que se dá da seguinte forma: criança com menos de 70 cm vem cambaleando em minha direção. Quando está a uns poucos metros de distância, grita "Au, au!" e se esconde, alarmadíssima, atrás das pernas da mater. Rapidamente, a progenitora trata de ligar alarmes e acionar mísseis antiaéreos: "Cuidado, nenê! O au au morde! O au au mordeeeeee!"
Cena seguinte: criança com espasmos musculares e emitindo agudos de romper tímpanos é amparada pela mãe. Note que o Pacheco, que ainda não foi formalmente apresentado, é metade de uma Coca litro.
Segundo listagens do Kennel Clube Paulista, o rottweiler, que, na idade adulta, pesa em média 60 kg, é um dos cães mais vendidos no país. Ou seja: uma gente com longa tradição de desinteresse e falta de afinidade com a espécie canina está enfiando máquinas mortíferas dentro de casa, como quem contrata os Fonseca's Gang ou compra um três oitão na Bayard.
Daí a "Veja" e o "Jornal Nacional" dão destaques tipo: "Cão mata mulher em Piracicaba". Usque tandem...

Texto Anterior: 'Situação se regulariza em 98'
Próximo Texto: Desinfetante já!; Visconde de Sabugosa; Cambista do futuro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.