São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
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Convite a pensar

ANTONIO BARROS DE CASTRO

O atual governo tinha, em sua fase inicial, um posicionamento muito nítido acerca das relações entre o Estado e a economia. E não ignorava o quanto sua proposta tendia a introduzir uma mudança de rumo na nossa história. Por meio dela, e de acordo com o presidente da República no seu discurso de posse, estaria sendo encerrada a era Vargas no Brasil.
O exemplo mais acabado do novo posicionamento pode ser encontrado numa referência de Gustavo Franco à (suposta) retirada do Banco Central do mercado de câmbio. Segundo o autor, a taxa de câmbio estaria deixando de ser um "preço público". E isso deveria ser entendido como uma "contundente demonstração de pujança na Lei da Oferta e da Procura (com letras maiúsculas no original) cujas determinações poderiam, caso seus fundamentos fossem corretos, fazer cair até mesmo o preço da moeda estrangeira"(1).
Acontece, porém, que com poucos meses de duração o governo começou a se distanciar da postura inicialmente anunciada. O câmbio, por exemplo, voltou a ser uma taxa administrada pelos poderes públicos. Presentemente, aliás, ela vem sendo ferrenhamente defendida de movimentos supostamente ensandecidos por parte do mercado. Num outro plano, o setor automobilístico, sob o manto protetor do Estado (retomando uma velha metáfora) veio a transformar-se num dos maiores êxitos do atual governo -a ponto de o presidente da República, por ocasião da inauguração da fábrica da Honda em Sumaré, referir-se ao automóvel como novo símbolo do Real ("Gazeta Mercantil", 7/10/97).
Recentemente, a ação do governo por meio de órgãos como o Banco Central, o BNDES e o Banco do Brasil (cuja distribuidora teria tido importante papel na contenção da alta do dólar em contratos futuros) veio a ser fundamental para a defesa do real bem como para a contenção do mergulho das Bolsas de Valores.
Longe estou de cobrar do governo coerência com a sua doutrina original. Reconheço, muito pelo contrário, que aí residem alguns de seus acertos. E mais, não creio que haja país algum em que o preço do câmbio seja tratado como o de uma "banana". Acontece, porém, que o posicionamento do governo é fundamental no balizamento das expectativas privadas -que se encontram, no mínimo, alvoroçadas. O que me preocupa é, em suma, o custo -na crítica conjuntura em que nos encontramos- da mudança não assumida.
Quando no passado o Estado tentava levar a economia numa certa direção, era (por muitos) visto como corporificação do interesse geral -e responsável pelo desenvolvimento econômico e social do país. Após anos de intensa crise fiscal e de uma virulenta pregação antiestado, ninguém mais o vê dessa maneira.
Se o governo não souber explicar as iniciativas que vem tomando, contraditórias com o discurso inicial, sua justificativa tende a resvalar para a ameaça de caos: "Isto ou o colapso". O dissenso entre os brasileiros estaria com isso sendo aprofundado e as oposições não teriam por que incorporar quaisquer das mudanças recentemente ocorridas. E estaríamos com isso cada vez mais distantes do surpreendente "happy end" ocorrido com a economia e a sociedade chilenas.

(1) "O Plano Real e outros Ensaios", Francisco Alves, 1995, págs. 57 e 59.

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