São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O ICMS e a marcha dos insensatos

LUIZ CARLOS HAULY

Fui relator, na Câmara dos Deputados, do projeto que se tornou a lei complementar modernizadora do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), há cerca de um ano. Hoje, salta aos olhos a importância de termos aprovado essa lei naquele exato momento -tanto mais se se considerar o novo ambiente internacional criado pela crise em cadeia das Bolsas.
Com a lei, reduziu-se o "custo Brasil" e foram preservadas as receitas efetivas dos Estados e municípios. Os resultados já identificados para a economia são muito positivos em termos de aumento das exportações, do investimento e da produção interna.
Além disso, conferiu-se solidez às bases legais -antes fortemente ameaçadas- e operacionais de aplicação do imposto. Esses benefícios nem os críticos de ocasião são capazes de negar. Não lhes resta, assim, senão argumentos inconvincentes na luta insensata que movem contra a lei complementar do ICMS.
Para restabelecer a verdade dos fatos, vale recuperar um pouco da história da elaboração e aprovação da lei. Como não poderia deixar de ser, por tratar-se de matéria tão complexa, submeti meu parecer à apreciação da Câmara somente depois de firmado um acordo, público e inequívoco, produto de exaustivas negociações entre os Executivos federal e estaduais, avalizado pelos líderes partidários.
Tivesse sido diferente, como imaginar que a lei complementar pudesse ter sido aprovada -como foi- por um número de congressistas bem superior ao da maioria absoluta, em cada Casa, por voto nominal?
O acordo firmado entre as partes expressou-se nos termos da lei complementar e esta tem sido cumprida rigorosamente. Romper o acordo firmado há um ano é colocar em risco a possibilidade de avançarmos na extensa agenda positiva de reformas que ainda temos a cumprir, podendo inclusive implicar retrocesso em matéria tributária e fiscal.
Ameaça tanto mais grave em face dos desafios colocados ao país, em termos de contas públicas e contas externas, pelo novo ambiente internacional.
Aos que investem contra a lei complementar do ICMS parecem faltar, de fato, bons argumentos para sustentar suas "teses". Qual a fundamentação dos que alegam haver perdas não cobertas pela União, por meio do seguro-receita? O fato de que incluíram em seus orçamentos o montante que gostariam de receber?
Como falar em perdas sem computar os ganhos decorrentes da lei para a arrecadação dos Estados? Haja amnésia para esquecer que a mesma lei que levou a perder o que jamais se deveria ter tido (que país do mundo tributa suas exportações e investimentos?) também trouxe ganhos, e muitos -vide substituição tributária, transportes aéreos, comunicações, operações interestaduais de combustíveis etc.
Haja miopia técnica para achar que perda se mede aplicando uma alíquota sobre o volume atual de exportação, como se essa fosse a mesma caso o imposto ainda existisse.
Pessoalmente, o que mais me impressiona, porém, são as reclamações do Estado que em maior grau se aproveita do grande resquício de atraso que ainda há no campo do ICMS: a não-adoção do princípio de destino (se ele fosse adotado, a receita caberia sempre e unicamente ao Estado onde foi consumida uma mercadoria ou o serviço).
Hoje, o Estado que, liquidamente, vende insumos e bens de capital para os exportadores e os investidores localizados nos outros Estados continua arrecadando o imposto sobre essas operações, como antes da lei.
O que mudou com a lei é que os outros Estados (que mais compram do que vendem no mercado interno) devolvem para seus contribuintes o que não receberam -o imposto pago anteriormente na saída do insumo ou da máquina do Estado exportador líquido.
A perda de receita dos Estados que mais compram do que vendem internamente (em geral, os que mais exportam e mais investem) está sendo coberta pela União por meio do chamado seguro-receita. Porque a lei é clara e precisa: quem perde receita recebe o seguro federal; quem nada perde não tem por que receber.
Também quero mudanças, mas não na lei complementar do ICMS, e sim na resolução do Senado que, no caso de uma operação entre um Estado e outro, determina a divisão da receita entre os dois governos: é urgente, justo e modernizante que a receita caiba toda ao Estado que consome, não àquele que produz.
Aliás, sabe-se muito bem que, para acabar com a guerra fiscal, o único meio eficaz é o princípio de destino -qualquer outra solução é só para fazer de conta.
Enfim, há uma grande lição a tirar do atual debate do ICMS: uma minoria localizada, por razões mais ou menos compreensíveis, decidiu inadvertida e insensatamente marchar rumo ao atraso. Trata-se de obstá-los -dissuadi-los, se for possível- para que possamos retomar, com vigor renovado, a agenda de reformas estruturais de que tanto e tão urgentemente o país precisa.

Texto Anterior: Convite a pensar
Próximo Texto: Redução de acidentes premia a Odebrecht nos Estados Unidos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.