São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Ator supera diretor em "Balcão"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Jean Genet, meio século depois, está no ar. O dramaturgo francês, paixão obstinada de José Celso Martinez Corrêa nos anos 90, ele que dirigiu "As Boas" e "Ela", está sendo encenado também por Peter Sellars, prócer da vanguarda globalizada.
O texto é o mesmo "O Balcão" com que o jovem Marcelo Marcus Fonseca arrisca-se, na montagem agora em cartaz no TBC.
Genet é um autor enredado, difícil. O ritmo não é o seu forte, cenas inteiras se confundem, sem uma direção mais obstinada.
Marcelo Fonseca é obstinado. Enfrentou as três horas e meia que resultam de "O Balcão" com um cuidado precioso em cada cena ou frase, buscando significados, contexto, esclarecimento.
Nem sempre é feliz, em "O Balcão". Em momentos -ou quadros, já que muitas cenas são circunscritas- parece nada acontecer, há vazios. Mas logo a montagem se recupera, e a peça vai ganhando forma, levada pelo próprio diretor e ator.
Diz-se que ele é caudatário de Zé Celso. Certamente tem a influência do diretor, na escolha da peça, na escolha da fascinante, carismática Denise Assunção para o elenco (ela interpreta um bispo, ou a fantasia de um bispo), mas "O Balcão" tem uma clara assinatura de Marcelo Marcus Fonseca.
A melhor indicação é a sua própria interpretação, ele que é o protagonista (faz Irma, a dona do prostíbulo em que se passa a peça). Como já havia mostrado na montagem anterior, "Baal", de Brecht, que também protagonizou, o diretor/ator tem uma sutileza, uma suavidade, um lirismo que não fazem par com o fascínio avassalador de Zé Celso.
E são qualidades que contrastam -o que é enriquecedor- com muito do universo de Jean Genet, de contemporaneidade inquestionável em "O Balcão".
Na peça, o bordel é uma alegoria para os conflitos da sociedade, com os "clientes" e suas fantasias, um o juiz, outro o magistrado; sociedade "real" que, por sua vez, dissolve-se às portas do "palácio". Os "bárbaros", como hoje, estão às portas.
No meio do redemoinho social, Irma e sua prostituta/contadora Carmem (Carolina Gonzales, uma atriz de igual suavidade, mesclada a uma sensualidade quebradiça) levam a vida como podem, organizando as fantasias, temendo uns e outros, contabilizando o comércio de sonhos que é o lugar.
Não faltam deixas para a nudez, para o escracho, para a "presentação" (em oposição à representação) que são mais identificadas com o trabalho do Oficina de Zé Celso. Mas a sutileza, a ausência de agressividade vazam por toda parte, no espetáculo.
E Marcelo Fonseca, para além de tais características, é ator de talento. É certamente sua maior qualidade como artista, superior, é preciso reconhecer, à direção.
"O Balcão" enfrenta frustrações diversas, como a virtual inexistência de uma cenografia. O elemento de maior significado é uma extensão do palco pelo meio da platéia, de bons resultados para a "presentação", mas sem maior harmonia com a peça.
Também há desníveis no elenco, e Fernando Prata, por exemplo, que faz o carrasco, bem merecia ser instruído ao equilíbrio, qualquer que seja a "inside joke", a piada de classe teatral que tenha buscado.
(NS)

Peça: O Balcão
Quando: sex e sáb, às 21h; dom, às 19h
Onde: TBC (r. Major Diogo, 315, tel. 011/606-4408)
Quanto: R$ 10

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