São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Clientes indignados com Ducasse têm toda razão

JOSIMAR MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "pecado" de Alain Ducasse, retirando-se do Brasil antes que acabasse o festival que realizava no O Leopolldo (SP), suscitou muita discussão entre os profissionais e o público gourmet. O festival foi até terça-feira da semana passada, mas nos últimos dois dias o chef não estava mais presente. Clientes que pagaram R$ 250 por cabeça sentiram-se lesados. Com razão?
O problema tem duas faces. De um lado, saber se é justo anunciar o festival de um cozinheiro, sem anunciar que ele não estará presente: é claro que a indignação de quem queria vê-lo em ação é justa.
A outra questão é saber se a presença física do chef é indispensável aos pratos que ele assina.
O próprio Ducasse coloca na prática esse problema: os dois restaurantes que ele dirige ficam em cidades distantes, Paris e Monte Carlo; e há dias da semana em que ele falta num ou noutro. Ainda assim o guia Michelin, que normalmente condena chefs ausentes, concedeu-lhe a cotação máxima em Paris.
Assim como a mantém para o restaurante, em Lyon, de Paul Bocuse, um verdadeiro globe-trotter que deixa o comando cotidiano da cozinha para seu segundo chef, Roger Jalloux.
Não há dúvida que, sob o comando direto do chef, é mais possível que a cozinha de um restaurante reflita com exatidão seu talento. Mas há quem questione a imagem, embora bastante poética, de que o chef seja um regente de orquestra -e, portanto, deva estar sempre lá.
Para muitos, a cozinha atingiu um grau de rigor, e o talento do chef está mais no ato de criar pratos de estética sublime e disciplinar uma equipe com mãos de ferro. Muitos dos grandes chefs, depois de um certo tempo, ficam na cozinha mais acompanhando do que comandando o trabalho.
Chefs discretos como foi Robuchon, que jamais passeiam pelo salão, podem satisfazer a clientela mesmo sem estar presentes.
Terá o trabalho da cozinha chegado a tal ponto de impessoalidade, em contraste com a subjetividade presente na concepção do prato? Será que na cozinha pode se repor o dilema sobre a autenticidade das obras de arte feitas pelas mãos de discípulos, como nos antigos ateliês dos grandes mestres?
A discussão é boa. De qualquer forma, uma cozinha estrangeira como a do Leopolldo (mesmo que com três ajudantes) não é o ateliê de Ducasse. E a eventualidade de seu festival prescindir de sua presença deveria ser julgada pelo consumidor, que não foi alertado disso a tempo. Nesse aspecto, não há muito o que discutir.
(JM)

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