São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Paulinho relê passado e presente

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O sucesso de "Bebadosamba" (96) tornou possível: o cantor e compositor carioca Paulinho da Viola lança o primeiro disco ao vivo de seus 33 anos de carreira, "Bebadachama".
Para fugir do clichê do álbum ao vivo que repete o álbum de estúdio, embrenhou-se nas entranhas do samba, do qual extirpou duas dezenas de peças -a maioria delas sambas relegados a certo grau de esquecimento nos anos 90.
Aí são contemplados autores como Cartola ("As Rosas Não Falam", que Paulinho canta pela primeira vez), Nelson Cavaquinho, Orestes Barbosa, Wilson Baptista, Ismael Silva, Ataulfo Alves e outros tantos (leia quadro abaixo).
À prospecção de sambista apaixonado, ainda acresceu um apanhado de sua própria carreira -de "Coração Vulgar" (65) a "Onde a Dor Não Tem Razão" (81), passando por clássicos como "Dança da Solidão" (72).
Ao inventário se une, enfim, o repertório de "Bebadosamba" -dez das 14 canções do disco são refeitas ao vivo.
No total, são 40 sambas, gravados em três dias da temporada do show "Bebadosamba" em São Paulo, em maio deste ano. Para que tanto se encaixasse, um disco só não bastou, claro.
"Não houve fragmentação. Não foram tiradas músicas, são dois CDs -e não foi sugestão minha, foi da gravadora-, que reproduzem o show completo", diz.
Paulinho defende seu novo álbum das dúvidas que costumam acompanhar o lançamento de discos ao vivo -de perda de qualidade técnica, de manipulação do resultado bruto, de mera repetição.
"No conjunto, a gravação ao vivo perdeu detalhezinhos das gravações em estúdio, mas acho que está muito mais quente, mais caloroso", diz.
"Dizem que se mexe muito em disco ao vivo, mas nesse disco quase não houve mexida. Só coisas bobas, pequenas, que tivemos que fazer. 'Maria Rosa' é um exemplo. Na gravação com o melhor registro vocal, a afinação dos dois violões não batia. Tivemos que sacrificar um, deixar escondido, quando o bonito eram os dois violões."
Afirmando que o disco duplo repleto de sambas clássicos nunca gravados por ele elimina o perigo da repetição, ele concorda com a perda de excelência técnica do estúdio ao palco.
"Estranhei minha voz, ficou diferente da assepsia do estúdio. Emitir a voz em show é diferente, há uma massa sonora ao redor que faz com que não se cante naturalmente. Você força um pouco e não percebe. Notei quando ouvi a gravação. Disseram que é normal."
Diz-se relaxado quanto ao resultado, no entanto. "Não sou perfeccionista. Quando tento ser mais rigoroso comigo mesmo, às vezes quebro a cara."
Quatro discos
Paulinho admite que a galeria de sambas garimpados teria tratamento mais rigoroso se burilada na solidão do estúdio.
"Mas posso fazer outro, há tantos outros sambas. Certamente, a minha vontade é fazer um disco com esses autores que eu conheci, pesquisar outros. Talvez seja meu próximo disco."
Aí ele deixa vazar um velho -e agora atiçado- projeto: "Desde os anos 70, sonho gravar quatro discos -um cantando Assis Valente, outro Geraldo Pereira, um Wilson Batista e um Cartola. Ainda vou fazer. Não sei se vou ter tanto tempo, mas quero fazer".
Por último, Paulinho da Viola não deixa de filosofar. Falando sobre a simplicidade do samba, deixa escapar o que poderia ser uma definição para seu próprio trabalho: "Minha paixão nessa coisa toda é de difícil tradução. O que me fascina é a forma como o banal é tratado -como a dor, a morte, a violência, a perda, a alegria são tratadas por alguns de forma tão simples e verdadeira, tão especial".
Ele exemplifica: "O verso 'às vezes dou gargalhada ao lembrar do passado', do samba 'Primeiro Amor', de Cartola e Carlos Cachaça, é um exemplo. Meu Deus, eu queria fazer um verso tão espontâneo! Isso para mim é mais do que qualquer outra coisa."

Texto Anterior: Surdez clubber é uma realidade; o quê? Hã?
Próximo Texto: Artista lembra homenageados
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.