São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Os tigres sem papel

JOSÉ SARNEY

O pior da crise no mercado de capitais não é o fato de que as Bolsas estão caindo, os capitais fugindo e os bancos encontrarem-se em grandes dificuldades. Isso são fatos conjunturais. Coisas episódicas. O trágico e alarmante é que a atual crise é estrutural e está ligada ao fim de um ciclo histórico, iniciado com a queda do Muro de Berlim e o colapso da velha ordem mundial baseada na Segunda Guerra. Testemunhamos a construção de uma nova ordem, um novo mapa político e econômico, conforme a filosofia e as leis do vencedor. Tivemos, no início, conflitos localizados (Bálcãs, Kuwait, Iraque, Somália), a mudança dos conceitos de Estado-nação, a escalada da solução das divergências internacionais em níveis de pressões diplomáticas, pressões políticas, pressões militares, uso da força. A fase inicial do fim das ideologias acomodou-se, ajustou-se.
Agora é a vez da ordem econômica mundial velha que correspondia à Guerra Fria, quando os Estados Unidos tinham de fazer concessões à Europa, ressurgir a Alemanha e consentir na construção de um Japão competitivo, ameaçador de mercados. Durante esse tempo o poderoso império nipônico derramou-se pela Ásia. Cinquenta por cento dos investimentos japoneses criaram ilhas de prosperidade e riqueza, os Tigres Asiáticos. Era uma necessidade política para contrabalançar o poderio soviético e conter o dragão chinês. Essa economia correspondia à filosofia e ação da Guerra Fria, que acabou. A velha ordem econômica, por inércia, ainda resistiu, alimentada pelo vácuo da globalização, que possibilitou um mercado financeiro especulativo, selvagem e anárquico. Agora é a hora da acomodação da economia mundial nos moldes da potência vitoriosa. Ninguém pode competir com os Estados Unidos. Seus preços são a metade dos praticados no resto do mundo. A força do mercado financeiro globalizado, fora do controle do Federal Reserve, tem que acabar. Greenspan foi o primeiro, com grande sinceridade, a alertar. Foi o profeta? Mais do que isso, o anunciador do que está por vir. A única ilha de segurança, ficou claro, são os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, país que, pela primeira vez na história, tem o menor déficit, a menor taxa de desemprego. Quem quiser ter segurança, corra para essa casamata, é a mensagem.
É no meio dessa guerra de gigantes (como se diz no Nordeste, "água para navio, onde canoa não anda") que nós achamos que vamos resolver a nossa situação cortando o pobre feijão do vale-alimentação do trabalhador, diminuindo os incentivos ao teatro, ao cinema, ao livro, à cultura. Vamos nos preparar para tempos difíceis. Não nos enganemos mais com aquela história de que o Brasil é diferente e de que a crise asiática é benéfica porque os capitais vêm para cá! A globalização veio para o bem e para o mal.
A alguns amigos confidenciei há alguns dias que a bola da vez era o Japão. Agora, apareceu e está debaixo das asas americanas, enfrentando a recessão, taxas altas de desemprego, bancos quebrados, bolsa em queda livre. Paradoxalmente, só os Estados Unidos podem salvá-lo. Acabou-se a Guerra Fria, acaba-se a velha ordem econômica e a realidade é a pax americana.
Essa é a crise que o banco central americano chama de "salutar".

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