São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Mudanças climáticas globais

LUIZ PINGUELLI ROSA

Bill Clinton anunciou a posição dos EUA sobre o efeito estufa. Esse fenômeno, que resulta no aquecimento da superfície do planeta, é intensificado pela emissão de gases para a atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2) produzido na queima de combustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás natural.
Participei no mês passado, em Bonn, da reunião preparatória da Conferência de Kyoto sobre mudanças climáticas. Lá, a proposta americana recebeu muitas críticas. O assunto está mal divulgado na mídia. Poucos, como alguns professores e pesquisadores e as equipes do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Itamaraty, têm consciência dele.
Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o aumento da concentração desses gases na atmosfera poderá ter, em cerca de 50 anos, consequências graves, como elevação do nível do mar, secas, tempestades.
Desde o século 18, os países hoje desenvolvidos usam combustíveis fósseis. Hoje, os países em desenvolvimento seguem o mesmo caminho. Desmatam florestas, como a Amazônia, e seu consumo desses combustíveis cresce.
As emissões anuais de CO2 são (em toneladas "per capita"): 19 nos EUA, 8,8 no Japão, 6,3 na França, 3,6 no mundo e só 1,4 no Brasil, 0,9 na Índia e 0,1 em Serra Leoa. O total dos EUA equivale a 13 vezes o do Brasil, 20 vezes o da Índia e 190 vezes o de Serra Leoa.
Por isso, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, criada no Rio em 1992, estabeleceu que os países desenvolvidos deverão reduzir suas emissões, no ano 2000, para os níveis de 1990.
Como o CO2 permanece na atmosfera por mais de 140 anos e seu efeito no aumento da temperatura é relacionado à sua concentração na atmosfera ao longo do tempo, 85% do efeito de origem humana veio dos países desenvolvidos. Só 15% vêm dos países em desenvolvimento, que têm quatro quintos da população mundial, segundo cálculos da Coppe e da equipe do MCT.
Com base nisso, o Brasil propôs uma distribuição de responsabilidades entre os países desenvolvidos. Aqueles que ultrapassassem certos limites contribuiriam para um Fundo de Desenvolvimento Limpo, para evitar emissões nos países em desenvolvimento.
No Brasil, a hidreletricidade e o álcool representam enorme abatimento de emissões. Mas, com as privatizações, as futuras usinas serão termelétricas, que exigem menor capital. Com a desregulamentação, o álcool não é competitivo; o custo da gasolina é menor. Logo, aumentarão as emissões.
O novo fundo proposto pelo Brasil poderia financiar o álcool e as hidrelétricas. Em Bonn, o Grupo dos 77 (G-77) o assumiu, aglutinando 130 países, incluindo China, Índia e Brasil.
Os EUA defendem a "joint implementation": empresas de países ricos, para compensar a alta das emissões, investiriam em sua redução nos países em desenvolvimento. A idéia não é má, mas há um problema: como repartir créditos pelo abatimento? Talvez uma solução intermediária fosse possível. Mas só o aumento das emissões de EUA e Canadá entre 90 e 96 foi 3,7 vezes maior que a alta na América Latina. Países ricos que obtiverem créditos continuarão aumentando as emissões?
Por outro lado, o consumo de energia por família de renda alta na América Latina é grande. Mas famílias pobres consomem pouco. Surge na globalização, palavrão na esquerda, a questão da equidade, palavrão em neoliberalês.
O discurso de Clinton em Bonn foi duro: condicionou a redução de emissões nos EUA à diminuição simultânea delas nos países em desenvolvimento. Ademais, só concorda em reduzi-las entre 2008 e 2012 aos níveis estipulados para 2000 pela convenção de 1992.
Disse que, na sua visita à Argentina, Menem concordou. Deve ter tentado o mesmo no Brasil, mas aqui Fernando Henrique ouviu o MCT e o Itamaraty, apoiados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos. Há, porém, gente influente contra. A área econômica teria cedido para agradar investidores dos EUA.
O Brasil tem um instrumento de barganha a ser levado a Kyoto, em dezembro. Se o G-77 tiver apoio da União Européia, que discordou da posição dos EUA, poderá sair o fundo proposto.
Clinton reconheceu a gravidade do problema. Coloca US$ 5 bilhões para reduzir emissões nos EUA. É pouco: o Proálcool custou US$ 6 bilhões e Itaipu, mais de US$ 12 bilhões. Aponta alvos corretos: novas tecnologias, como pilhas a combustível -que a Coppe estuda-, energias renováveis, que o Brasil já usa, e conservação de energia, já feita pelo Conpete, da Petrobrás, e pelo Procel, da Eletrobrás -ameaçada de extinção pela desregulamentação.

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