São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997
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Sem passaporte para o crime

CELSO RIBEIRO BASTOS

Algumas pessoas foram tomadas por forte repulsa diante da prisão dos integrantes da banda Planet Hemp. O que é curioso notar é que essa reação veio contra um ato, a todos os títulos meritório, de mera aplicação da lei. Para um país como o nosso, de hábitos que, com frequência, agridem a lei, esse comportamento exemplar da polícia deveria merecer tão-somente encômios.
O ponto fundamental é que a lei que reprime o tóxico no país considera crime induzir e instigar alguém a usar entorpecentes. O Código Penal já continha uma previsão contra esses que, nada obstante não estarem praticando o ato recriminado, incitam outros a fazê-lo (art. 289).
A lei antitóxicos precisou dispensar a exigência de que a indução seja à prática de crime, uma vez que, como se sabe, no Brasil, o viciado não é juridicamente punível, pelo menos enquanto mero consumidor da droga.
É por isso que o art. 12 considera crime induzir alguém a usar entorpecentes. E não se diga que isso está em desacordo com a Constituição. Basta ver o que dispõe o art. 5º, inciso 43, e estar ciente de que nenhuma liberdade, na Carta, é considerada como absoluta.
A única coisa que se deve perguntar é o seguinte: praticaram os roqueiros o fato descrito em lei como crime?
A verdade é que a banda tem a sua imagem firmemente ligada à maconha, a começar pelo nome. Nas suas letras, passa a induzir e instigar o uso de drogas. Isso chega a ser feito pela via do exemplo, quando os próprios integrantes da banda, sem nenhum rebuço, se declaram tomados pelo vício. E é inegável a força propagatória dos ídolos perante os seus fãs, sobretudo na adolescência. Mas essa é uma opinião que pode não ser acompanhada por outros.
O que considero totalmente recriminável no comportamento dos roqueiros é não ter levado a questão a juízo na primeira vez em que sofreram a repressão, quando seu show foi proibido. Fizeram ouvidos moucos às normas que vigem no país. Preferiram reincidir.
Já agora não poderia a polícia fazer senão o que fez: deixar correr a exibição até o seu final, resguardar o público contra tumultos e, ao fim, prender os criminosos em flagrante delito.
Só posso louvar esse comportamento equilibrado e justo das forças policiais. Creio que tudo serviu para inverter um pouco a tendência de considerar o Brasil como um país sem leis ou, ao menos, sem o seu cumprimento.
A lei pode ser dura. Não obstante isso, em vigor, tem de ser cumprida. Quem não gosta das leis em vigor deve lutar politicamente pela sua mudança e, se se considerar atingido por qualquer lei de forma abusiva, procurar a reparação pelo Judiciário. Esse é o funcionamento normal de um Estado democrático de Direito. Se os roqueiros não se enquadram nessa normalidade, têm, inevitavelmente, de arcar com as consequências. E ponto final.

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