São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Padre gaúcho mandou defunto levantar

LUIS HENRIQUE AMARAL
DO ENVIADO ESPECIAL

O padre gaúcho Alcides, 72, se aposentou em 93 do cargo de capelão da Polícia Militar.
Depois de ser transferido para uma cidade do interior (o Estado não é revelado), começou a beber.
*
"Eu estava entrando pelo cano. Um dia, estava celebrando um casamento e comecei a cantar Amélia, aquela que era mulher de verdade. Outra vez foi pior. Em uma missa de corpo presente, na frente da família e da comunidade, olhei para o defunto e disse: 'Levanta e anda'. Devo ter pensado que eu era Jesus e ele, Lázaro.
Só fiquei sabendo dessas coisas depois que parei de beber. Eu acordava no dia seguinte e não lembrava nada do que havia acontecido. Entrei para o seminário com 17 anos. Estudava à noite e fazia o serviço militar de dia. Fiz doutorado em Teologia, em Roma, entre 1955 e 60. Também trabalhei na França e me formei em música clássica.
Depois que voltei, um belo dia, o cardeal e o chefe da PM foram à minha casa pedir de joelhos para que eu fosse capelão.
Eu não queria, mas aceitei, precisavam de alguém com formação militar. Na PM, eu aprendi como não ser gente. A filosofia é que bandido tem de morrer. E isso entrou em mim. Esse negócio de direitos humanos não tem nada a ver. Não existe recuperação para essa gente... Vocês vêem como eu me descontrolo? Eu sei que isso está errado, mas falo.
Depois que fui reformado, comecei a beber de verdade. Ia visitar os amigos nos batalhões e voltava para casa bêbado. Parava em todos os botecos, já tinha até desconto. Quando me mandaram para o interior, fui me sentido mais sozinho. Eu não tinha função. Estava cada vez mais deprimido e angustiado. Comecei a beber mais e mais. As pessoas percebiam, mas eu agredia quem vinha falar comigo. Achava que poderia parar.
O álcool tira a cabeça da gente. Depois que parei, descobri que sou padre e que existe Deus. Eu não era padre, eu rezava por rotina. Era tudo mentira o que eu pregava."

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