São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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NOVO ESTABLISHMENT

MATTHEW COLLINGS
DO "THE INDEPENDENT ON SUNDAY"

O que faz da jovem arte britânica o que ela é? Quais suas marcas registradas? Brincadeiras, glamour, diversão. O estranho, o insólito, o incomum. Não a beleza, mas a qualidade do sexy. Não o esteticismo -o antiesteticismo. Não a arte -a vida. Não o ateliê. O mundo.
E que mundo engraçado, contraditório, disfuncional é esse! Não há mais esquerda ou direita, apenas consumismo. Não há mais mensagens, apenas anúncios. E não há família, apenas crianças dementes nos conjuntos habitacionais subsidiados pelo governo, contando suas histórias pelas bocas de adultos estranhos, que só servem de porta-vozes (como Gillian Wearing em seu filme "10:16"). Ou a barraca de uma artista, ostentando, bordados à mão, os nomes de todas as pessoas com quem ela já dormiu, incluindo membros de sua família (Tracey Emin).
Ou manequins perfeitos de crianças vestindo nada além de tênis Nike novos em folha, com órgãos sexuais adultos brotando de suas testas (Jake e Dinos Chapman). Ou uma pintura pseudo-expressionista de Myra Hindley (Marcus Harvey). Não existe mais pintura autêntica. Apenas não-pintura, antipintura ou pintura irônica. Não existe mais vanguarda. A vanguarda é a Royal Academy -e a Royal Academy é, por definição, o oposto da vanguarda.
Alienígenas? Vírus?
Será que isso quer dizer que não existe mais cultura? Isso seria terrível, é claro. Mas, se a arte é antiarte e as instituições são antiinstituições, ou instituições implodidas, restou o quê? É essa, sem dúvida, a principal inquietação suscitada pela ascensão constante dos "YBAs" -os "young british artists", jovens artistas britânicos. Os críticos de arte conservadores, colunistas de jornais que observam a arte e os "OBAs" -artistas britânicos mais velhos- não entendem o que aconteceu.
Foram alienígenas? Foi um vírus? Foram as escolas de arte? Será que elas simplesmente pararam de ensinar desenho e pintura, e em lugar disso ensinam apenas pós-estruturalismo e gravação em vídeo? Será que dá para voltar tudo como era antes, ou já é tarde demais?
E será que é tudo culpa de Charles Saatchi? Tímido e agressivo ao mesmo tempo, o próprio Saatchi também é uma contradição. Sua agência de publicidade inventou os "olhos safados" de Tony Blair, "O Trabalhismo Não Está Funcionando" e o "homem grávido". Originalmente um outsider, agora ele parece estar à frente de tudo. Não apenas da arte e da política -ou da antiarte e antipolítica-, mas também do futuro.
"Sensation" é o título da exposição de parte da imensa coleção de arte YBA de Saatchi na Royal Academy. Não foi Saatchi quem desenhou o projeto da arte YBA, como pensam muitas pessoas. Os YBAs a pegaram da própria história da arte. Eles lançaram um olhar implacável sobre a história da arte, viram o que havia lá, jogaram fora o que acharam inútil e conservaram o resto.
Boa parte dos conceitos errôneos acerca da arte YBA que circulam por aí gira em torno do que foi jogado fora. Os YBAs jogaram fora boa parte do esnobismo intelectual e do academismo oculto da arte conceitual dos anos 60 e 70, por exemplo -e também coisas da arte tipo "arte" estilo antigo, como as aulas com modelos vivos, as pinturas de naturezas mortas e o fato de todos os artistas serem homens. Procuraram tornar a arte mais real.
Mas foi a galeria de Saatchi em St. John's Wood e seu trabalho de colecionador que transformou a condição "jovem artista britânico" em proposta viável.
Olhos do mundo
Quando abriu a galeria, em 1985, quando ninguém ainda ouvira falar em Damien Hirst, Saatchi já provocou uma sensação. Sua galeria era repleta de enormes e impressionantes obras de arte estrangeiras. Minimalismo, pós-minimalismo e neoconceitualismo. Era como um modelo dos cenários glamourosos da arte no exterior, especialmente na Alemanha e em Nova York. A arte britânica nunca havia sido assim, simplesmente. Depois, quando Saatchi parou de comprar tanta arte estrangeira e começou a comprar arte dos YBAs, foi a arte dos YBAs que se tornou glamourosa aos olhos do mundo.
A arte YBA é identificada com a cultura jovem. Ela é vista como a arte pop britânica, como a música pop britânica. A cultura jovem diz respeito a ser totalmente real, mas alinha-se com uma idéia comercializada do que é ser real. Um anúncio num outdoor mostrando um jovem sexy diz: "Seja bom. Seja mau. Seja, apenas". A Calvin Klein vende seu produto, dizendo: "Não vamos lhe dizer o que você deve ser". Na verdade, ela lhe diz exatamente o que ser: um jovem vestindo CK. Mas a arte YBA vem da arte, não de uma empresa -ela não está vendendo nada. Pode não ser linda e tradicional, mas se desincumbe de pelo menos parte da tarefa que, tradicionalmente, é atribuída à arte e à cultura. Ela instabiliza.
Qual foi o impacto do tubarão da Damien Hirst, quando primeiro foi exposto? Seu clima de ameaça. Seu desajuste. Não era militância política -nos anos 90 isso seria loucura, é claro. Mas tampouco era um anúncio da Calvin Klein. A mensagem que transmitia era que o mundo mudou: a política acabou, a ética e a moralidade, também. Em vez disso temos publicidade, esportes, um suposto anseio pelos sons de guitarra clássica dos anos 60. Assim, é difícil determinar onde se encontra o verdadeiro mal hoje em dia. Só se pode afirmar que a sensação é que ele está por toda parte à nossa volta.

Tradução de Clara Allain.

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