São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Clinton só deve tentar obter de novo o 'fast track' em 99

OSCAR PILAGALLO
EDITOR DE DINHEIRO

O presidente Bill Clinton, dos Estados Unidos, só deverá ter nova chance de submeter a proposta de "fast track" (via rápida) ao Congresso norte-americano a partir de 1999, quando já estiver perto do fim de seu segundo mandato.
A previsão é de Arturo Valenzuela, especialista no assunto e diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Georgetown, em Washington. Ele foi sub-secretário assistente de Estado para assuntos interamericanos no primeiro mandato de Clinton.
A proposta foi retirada da pauta da Câmara há duas semanas diante da evidência de que seria derrotada devido, principalmente, à oposição de deputados do partido do próprio presidente, o Democrata.
"Fast track" é o mecanismo que permite ao presidente negociar acordos comerciais que, depois, são aprovados ou rejeitados pelo Congresso, mas não emendados.
Sem esse instrumento, Clinton fica em posição desvantajosa nas negociações internacionais, como a da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que terá em maio nova rodada na Cúpula das Américas, em Santiago do Chile.
A Alca, cuja formação foi proposta em 94, está prevista para ser implementada em 2005 com participação de 34 países do continente.
Valenzuela minimizou a importância da derrota de Clinton e não viu no revés político do presidente ameaça séria à Alca.
Notou a sensação de alívio entre os que argumentavam que a Alca não deve ser prioritária e lhes criticou a reação, insistindo no ponto em que a América Latina é a grande beneficiária da associação.
Valenzuela esteve na semana passada no Brasil. Reuniu-se por quase duas horas com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que conheceu em 1969 no Chile, onde nasceu (filho de mãe americana, tem dupla nacionalidade).
Na sexta-feira passada, antes de voltar a Washington, deu a seguinte entrevista à Folha.
*
Folha - Como foi a negociação do "fast track" no Congresso?
Valenzuela - O sistema político no Brasil é mais pulverizado do que nos EUA, onde a coerência partidária é maior. Mas mesmo assim há chantagens. Uma piada corrente em Washington é a do parlamentar que, para votar a favor do "fast track", pediu seis pontes para sua cidade e, como seriam inúteis, pediu também um rio cujas margens elas ligariam.
Clinton só não obteve o "fast track" porque não quis negociar outros assuntos com os parlamentares mais duros do Partido Republicano. Por exemplo, alguns queriam que ele deixasse de dar apoio em nível internacional a programas de natalidade.
Folha - Quando Clinton tentaria obter de novo o "fast track"?
Valenzuela - É uma situação difícil. Se Clinton não conseguiu neste ano, provavelmente a tarefa será impossível no próximo, com a campanha para as eleições parlamentares de 1998. Não se deve imaginar, portanto, que o "fast track" saia antes de 1999.
Folha - Diante disso, quais as perspectivas para a Alca?
Valenzuela - Se o governo dos EUA tivesse considerado realmente prioritário o "fast track", o instrumento teria sido obtido. O fato é que, mesmo sem o "fast track", Clinton fez mais de cem acordos comerciais internacionais. Ou seja, acho que a Alca pode avançar, mesmo sem o "fast track".
Folha - Analistas dizem que se Clinton chegar à Cúpula das Américas, em maio, sem o "fast track" a própria idéia da Alca está ameaçada, não apenas seu cronograma.
Valenzuela - Concordo que essa é a percepção, mas a considero exagerada. O dinamismo do comércio mundial impedirá um refluxo nas relações comerciais.
O próprio "fast track" não saiu, em parte, por falta de empenho de empresários que seriam beneficiados, já que, de qualquer maneira, eles estão vendendo muito bem.
No dia seguinte ao que o "fast track" foi retirado da pauta, por exemplo, almocei com executivos numa grande empresa que exporta para a América Latina e o assunto não foi nem sequer mencionado. Isso dá a medida do interesse sobre "fast track" nos EUA.
Folha - Esse não seria o discurso de quem, depois de perder, tenta minimizar a derrota?
Valenzuela - É natural que, ao tentar vender a idéia do "fast track", Clinton tenha superestimado sua importância. Mas o efeito prático da derrota é limitado. O Chile, por exemplo, não vai negociar diretamente com os EUA. Isso não significa, no entanto, que os grupos de trabalho na Alca não devam continuar resolvendo problemas técnicos.
Devemos encarar o episódio como uma derrota de Clinton, e não do processo.
Folha - O fracasso de Clinton foi uma vitória dos sindicalistas e dos que temem que acordos comerciais possam custar empregos nos EUA em decorrência da maior importação. Não há o perigo de a rejeição ao "fast track" abrir espaço para um recrudescimento do protecionismo nos EUA?
Valenzuela - Acho que não. Os sindicatos ganharam, é verdade, mas isso deve ser visto à luz da importância que eles têm no financiamento do Partido Democrata.
A globalização possibilita tanto importar produtos mais baratos como exportar mais, o que ajuda a explicar o fato de os EUA crescerem há seis anos e terem a taxa de desemprego mais baixa em 25 anos, sem que isso provoque pressões inflacionárias.
Essa pujança tende a relativizar a importância de reivindicações de caráter protecionista.

LEIA MAIS sobre o "fast track" à pág. 1-10

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