São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Suposta fidelidade barra luta anti-Aids

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Mulheres que acreditam em seus parceiros de olhos fechados, que continuam vivendo como se a Aids não existisse e que quase nada sabem de doenças sexualmente transmissíveis. No outro lado -e muitas vezes na mesma cama-, homens que se sentem a salvo porque têm uma ou poucas mulheres e que, por isso, nada mudaram com a chegada da doença.
Este é o quadro extraído de uma vasta pesquisa realizada pela Bemfam (Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar do Brasil) com 12.612 mulheres e 2.949 homens no país. Ela revela a vulnerabilidade das pessoas diante da Aids e de outras doenças transmitidas pelo sexo.
Os números levam a uma conclusão preocupante: a se julgar pelo comportamento de homens e mulheres, o HIV tem o caldo ideal para crescer. Especialmente nas regiões mais pobres e entre as pessoas menos escolarizadas. Talvez o enfoque mais revelador da pesquisa seja o que os especialistas chamam de percepção de risco da Aids. As pessoas mudam ou não seu comportamento dependendo de como se sentem ameaçadas.
Se não se sentem ameaçados, não há razões para tomar cuidado: 82,1% das mulheres e 52,1% dos homens disseram que não mudaram nenhum comportamento com a chegada da Aids.
O altíssimo índice de confiança no universo feminino não está na camisinha, mas na crença de que estão protegidas pela monogamia e pela fidelidade do outro: quase metade das mulheres (47,5%) disseram não correr perigo por terem -ou terem tido- um só parceiro ou poucos. Outras 14,1% disseram que não temem a Aids porque seus parceiros são fiéis.
"Trata-se de um dado preocupante quando se sabe que hoje a epidemia está se alastrando entre mulheres casadas e com parceiro único", diz a psicóloga Rita Badiani, coordenadora da pesquisa.
Rita apresentou o estudo na última sexta-feira durante o 2º Congresso Brasileiro de Prevenção das DST-Aids, realizado em Brasília.
A realidade que salta dos números é comprovada por técnicos e voluntários que trabalham com comunidades de periferias ou de cidades pequenas do Norte e Nordeste. "As pessoas estão preocupada com a sobrevivência, não com prevenção", diz Teresa Vilaça, historiadora e uma das coordenadoras do Gapa de Salvador.
No interior de Sergipe, as mulheres estão oferecendo camisinhas a seus maridos para que usem nas relações fora do casamento. "É o caminho que encontraram, já que não têm como pedir que usem a camisinha em casa", diz Almir Santana, do Gapa de Aracaju.
A assistente social Isabel Tavares, que percorre a periferia de Salvador como militante do Gapa da Bahia, diz que as mulheres preferem conviver com um marido que pode contaminá-las do que falar em camisinha e correr o risco de perder o marido e o sustento.

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