São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Resistência

MOACYR SCLIAR

Passada a surpresa e a indignação provocadas pela proibição da camisinha, os adeptos do preservativo resolveram passar à ofensiva. Um movimento chamado Contra o Domínio do Medo (Condom) foi rapidamente formado e passou a recrutar ativistas dispostos a participar numa luta contra a medida. O Condom adotou como símbolo um pinto erguendo no ar um punho fechado em sinal de desafio; pichava paredes com lemas de revolta ("Nenhuma ereção sem proteção"); e publicava um jornal chamado "Borracha neles", que defendia abertamente a resistência civil à lei anticamisinha. "Por enquanto o nosso protesto é pacífico", observava um editorial, acrescentando porém uma ameaça: se a lei não fosse revogada, a retórica daria lugar a medidas práticas, de "consequências imprevisíveis".
E foi o que aconteceu. Breve, os comandos do Condom estavam desenvolvendo ações espetaculares. Vestidos de maneira característica -usavam uma espécie de capuz plástico muito semelhante a um preservativo- eles surgiam de forma inesperada em lugares movimentados da cidade, e aí faziam comícios-relâmpago, não apenas conclamando a população a resistir, mas distribuindo gratuitamente camisinhas, um ato que as autoridades rotularam como "terrorismo puro e simples"... E reagiram de acordo: armados com aparelhos especiais, providos de sensores capazes de reagir ao material de que são feitos os preservativos, policiais invadiam bares, cinemas e até mesmo motéis, procurando os ativistas do Condom. De fato, conseguiram prender muitos deles, mas aí o movimento deu o seu golpe decisivo. Um de seus chefes, cientista renomado, anunciou que desenvolvera um processo de engenharia genética, graças ao qual os bebês já nasceriam com preservativos: estes seriam parte integrante de sua anatomia. Diante de tal ameaça, a lei foi revogada. Mas os adversários do Condom querem prosseguir na repressão por outros meios. Prometem infiltrar-se nas fábricas de preservativos para furá-los antes mesmo que sejam colocados à venda.
Ou seja: a luta continua.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal

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