São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 1997
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Ler ou comer?

ALTAIR BRASIL

O desenvolvimento de um país está diretamente condicionado à sua capacidade de assimilar transformações políticas, econômicas e culturais e de se adequar a elas.
O conservadorismo teimoso e a omissão ante os desafios conjunturais são inimigos da evolução. A história mostra que o radicalismo hermético ou a passividade diante das mudanças já custaram a derrocada de civilizações, governos, instituições, empresas e empregos. Para entender isso, basta recorrer aos livros, não só de história, mas das mais diferentes abordagens.
"Mas o brasileiro não lê e, portanto, não desenvolve consciência crítica", argumentariam alguns, recorrendo a um estigma que pouca justiça faz a um povo que ainda busca a sua afirmação cultural.
A questão dos índices de leitura no Brasil é um exemplo cristalino de quanto é vital saber adequar-se às transformações. O Brasil, lamentavelmente, não tem respondido à altura das necessidades de seu povo, e seus setores produtivos, ao desafio da globalização.
Exemplo disso é o recente pacote fiscal do governo, ação quase desesperada diante do crash global que poderia ter sido evitada caso já tivéssemos um sistema tributário-fiscal equilibrado.
A omissão do Congresso, que suscitou o "pacote", expõe o livro a um dilema shakespeariano que se coloca diante dos brasileiros: "Ler ou comer, eis a questão".
As medidas anunciadas pelo governo pegam o setor editorial no contrapé, pois sinalizam um período de recessão no próximo ano.
Justamente agora que a estabilidade da moeda refletia-se favoravelmente nos índices de leitura "per capita" do brasileiro (de 95 para 96, a venda de livros passou de 2,4 para 2,6 volumes por habitante/ano), a iminência de recessão gera sério risco de retrocesso.
Obviamente, por mais que queira comprar livros, o brasileiro desempregado, subempregado ou com o salário achatado irá garantir prioritariamente os produtos de primeiríssima necessidade.
Não bastasse o "pacote" fiscal, as editoras também foram atingidas pelo "embrulho" postal, que, majorando de forma absurda (até 122,2%) a tarifa do material de promoção remetido pelos Correios, poderá encarecer o livro.
A recessão e a alta dos preços terão reflexos duros nos índices de leitura, comprometendo a meta do setor editorial de que o país chegue ao ano 2000 com índice de três livros por habitante/ano.
Os editores brasileiros apostaram na seriedade com que vinha sendo conduzido o plano de estabilização, com regras claras e definidas. Esperavam, ansiosos, que a reforma constitucional, apesar do atraso, viesse em tempo de manter estáveis as regras do jogo.
No entanto, como num passe de mágica -ou melhor, de bruxaria-, erros do passado voltaram a ameaçar os que produzem, trabalham e até mesmo os que lutam para democratizar a cultura. Amargas surpresas à parte, só se pede um favor: não digam mais que o brasileiro não gosta de ler...

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