São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 1997
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Filho de estupro é 'bandeira' antiaborto

BETINA BERNARDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Discussões, provocações, vaias e acusações de exploração de crianças marcaram a audiência pública realizada ontem na Câmara dos Deputados sobre aborto.
O objetivo do debate, que durou cinco horas, era discutir o projeto de lei que torna obrigatório o atendimento nos hospitais públicos de dois casos de aborto: risco à vida da mulher e gravidez resultante de estupro. Ainda não há data para a votação do projeto em plenário.
Religiosos, na maioria católicos e evangélicos, levaram cerca de 300 manifestantes contra o projeto, a maioria da cidade de Anápolis (GO).
Eles lotaram as cadeiras do plenário da Câmara, que contava com a presença de poucos deputados, e parte das galerias. O grupo respondia com vaias e sinal de negativo os discursos dos favoráveis.
As feministas reuniram cerca de 50 pessoas para apoiar o projeto. Elas distribuíram broches "pela vida da mulher" e entregaram cerca de 20 mil cartões postais à Mesa da Câmara, pedindo a aprovação.
Ao todo, 43 pessoas discursaram na audiência. O padre Luiz Carlos Lodi, de Anápolis, levou duas crianças à tribuna.
Uma era filha e outra, neta de mulheres que foram estupradas. Foi acusado por um grupo de favoráveis ao projeto de expor as crianças a constrangimento.
"Vão dizer agora que estou cometendo crime por expor essas crianças para dizer que o direito à vida delas é inviolável? Isso é hipocrisia", disse o padre.
A deputada afirmou que o padre não poderia ser responsabilizado porque as crianças estavam acompanhadas dos responsáveis.
Paulo Fernando, que estava acompanhando o padre Lodi, xingou de assassinas duas ativistas do movimento feminista que criticaram a ida de crianças à tribuna.
"Vocês são fêmeas vendidas; essas mulheres (que foram estupradas e tiveram os filhos) são mais mulheres que vocês." As duas ameaçaram chamar a segurança caso ele se aproximasse.
"O Congresso não tem delegação do poder de Deus para dispor sobre a vida", disse José Carlos Wagner, da Associação Nacional de Advogados contra o Aborto.
Em seu discurso, a deputada Sandra Starling (PT-MG), uma das autoras do projeto, desafiou aquele que não conhecesse nenhuma mulher que tenha praticado o aborto a atirar a primeira pedra.
"Há mulheres aparecendo nuas em revistas e TVs, provocando o homem ao estupro. Espero que os senhores parlamentares não cometam o absurdo de autorizar o crime contra fetos inocentes", disse o deputado Philemon Rodrigues (PFL-MG).
A deputada Marta Suplicy (PT-SP) disse que vai tentar derrubar o recurso que obriga a votação no plenário da Câmara do projeto sobre os dois casos de aborto legal.
O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e era terminativo: deveria ter sido encaminhado diretamente ao Senado. Com o recurso, ele deve ser discutido na Câmara. "O recurso dizia que o projeto deveria ser votado na Câmara para ter uma ampla discussão, mas isso já está acontecendo hoje (ontem)."

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