São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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Ofender vizinha condena mulher a ler salmo

MARCELO OLIVEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA

Um juiz de Teresina (PI) condenou uma mulher semi-analfabeta a ler três horas por semana durante dois anos o salmo 39 da Bíblia, porque ela xingou uma vizinha.
Caso a aposentada Maria da Páscoa Oliveira Quadros, 49, não recorra da sentença, ela terá de fazer a leitura do salmo na igreja de Santa Luzia, localizada no bairro Promorar, onde mora, na periferia de Teresina.
O padre responsável pela igreja, diz a sentença, fiscalizará o cumprimento da pena.
Maria da Páscoa é vizinha da costureira Rosa Helena Pereira Mesquita, 35, que a acusou de difamação em junho de 96.
Na época, segundo Rosa, Maria a xingava todos os dias de "vagabunda e outros nomes" quando varriam juntas uma vala de esgoto na frente das casas geminadas onde moram.
Maria da Páscoa, segundo seu advogado, nega que xingava a vizinha espontaneamente. A aposentada alega que era provocada pela costureira.
A sentença inusitada é do juiz Joaquim Santana, da 7ª Vara Criminal de Teresina. Ele afirma que quis dar uma sentença alternativa aos três meses de prisão e multa previstos pelo crime de difamação.
Santana afirmou que, ao proferir a sentença, ignorava que Maria não soubesse ler. "Eu não poderia dar uma sentença sabendo o nível cultural da ré."
Segundo o advogado de Maria da Páscoa, Antonio Candeira de Albuquerque, sua cliente é inocente.
"A sentença, em si, foi sábia (por propor outra pena que não a prisão), mas a condenação não, pois ela não cometeu o crime. Há dúvidas sobre isso e testemunhas a favor dela."
Maria pode recorrer da decisão do juiz, mas, segundo Albuquerque, cabe à família dela a decisão.
A sentença prevê que Maria faça a leitura do salmo na igreja "de sua crença". Maria, que é católica, deverá ler o salmo na igreja de Santa Luzia.
Segundo Albuquerque, Maria sabe apenas assinar o nome e lê com muita dificuldade.
Sem arrependimento
O padre Jorge Costa, responsável pela igreja de Santa Luzia, diz que nunca viu Maria da Páscoa na igreja e que a leitura obrigatória de salmos não a levará ao arrependimento de fato.
"A sentença transforma a leitura do salmo em um ato obrigatório, o que não é saudável, pois não levaria ao arrependimento."
Costa declarou ontem que, apesar disso, vê um lado positivo na sentença. "A Justiça está procurando novos caminhos que não a prisão."
Ele afirma também que não saberá como Maria da Páscoa fará a leitura se ela "mal sabe ler".

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