São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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A agricultura vai ganhar com a reforma tributária

MAILSON DA NÓBREGA

A tributação da agricultura brasileira é uma das mais perversas do mundo. Sem contar o Imposto de Renda e as contribuições para a Previdência, comuns em outros países, a produção rural é sujeita, direta e indiretamente, a mais seis tributos.
Os produtores pagam basicamente o ICMS, mas a cadeia de produção e comercialização sofre outras incidências que repercutem na sua renda: Cofins e PIS/Pasep, recolhidos pelos comerciantes, e ISS, pelos prestadores de serviços.
O quadro desalentador se completa com duas contribuições cobradas em vários pontos da cadeia: a CPMF e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Pior, praticamente tudo incide em cascata.
A situação é agravada pelo custo das obrigações tributárias acessórias, do acompanhamento da legislação e do caos em que se tornou o ICMS, com regimes distintos em praticamente todos os Estados.
Essa desastrosa situação decorre da crescente deterioração do sistema tributário, que começou nas décadas de 70 e 80, quando foram criados o PIS/Pasep e a Cofins (ex-Finsocial), mas a selva chegou mesmo com a Constituição de 1988.
Antes, já havia um vício de origem no sistema, qual seja a existência, singular no planeta, de um tributo sobre o valor agregado de natureza estadual -o ICM- em uma federação dotada de elevada autonomia tributária.
O ICM (atual ICMS) funcionou sem muitas distorções até o final dos anos 70, quando os Estados resistiam menos às medidas de harmonização tributária e ao tratamento favorecido à agricultura.
Nessa época, a produção rural gozava de vantagens semelhantes às existentes em outros países, salvo quanto à incidência do ICM nas exportações, somente agora eliminada com a chamada Lei Kandir.
Isentava-se do ICM praticamente todos os insumos e máquinas agrícolas com uma lógica irrepreensível: os agricultores, sem escrita fiscal, não têm como aproveitar os créditos embutidos na aquisição desses bens.
Alguns produtos possuíam tratamento favorecido, como os da avicultura, suinocultura e bovinocultura. Integrantes da cesta básica, como o feijão, se beneficiavam de isenção ou redução de base de cálculo.
A partir do início dos anos 80, os Estados empreenderam uma verdadeira cruzada contra os convênios de ICMS que beneficiavam a agricultura. A muito custo, o Ministério da Fazenda evitou que fossem revogados de uma só vez.
Com a Constituição de 1988, o novo ICMS se tornou um peso cada vez maior para a agricultura. Proibiu-se a concessão de benefícios por lei complementar. Aumentou a pressão pela revogação dos convênios, que se mantém até hoje.
As lideranças da agricultura e a bancada ruralista no Congresso se alhearam do problema. Limitavam-se a bater na tecla do crédito oficial, sob o equivocado entendimento de que política agrícola era o mesmo que subsídio e este equivalia a crédito subsidiado.
A cultura do crédito oficial se havia enraizado. Analistas tidos como bons chegam a afirmar que é isso mesmo, que a bancada ruralista nada tem de retrógrada e que em todo o mundo é o governo quem fornece crédito rural.
A realidade é outra. Além de o Brasil constituir caso raro de ênfase excessiva no crédito rural, observa-se em todo o mundo um declínio dos programas de subsídio à agricultura. Nos EUA, o governo responde apenas por 5% da oferta de crédito ao setor.
Voltemos ao mal da tributação. Sugiro a leitura do excelente artigo de Eduardo Luis Leão de Sousa e Pedro Valetim Marques ("Competitividade do Milho e da Soja nos EUA e no Brasil"), na revista "Preços Agrícolas" deste mês, editada pela USP/Esalq.
O trabalho descreve o invejável processo de comercialização de grãos nos EUA e mostra que o Brasil teria tudo para implantar algo semelhante, principalmente pela existência de um evoluído mercado de futuros (BM&F).
Com razão, eles sugerem rever a obsoleta legislação dos armazéns gerais. Propõem ainda que se construa um sistema de tributação capaz de estimular (e não inibir, como hoje) o uso dos mercados futuros para financiar a agricultura e reduzir seus riscos.
Está nessa direção a proposta de reforma apresentada pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, que constitui um passo gigantesco para modernizar a tributação da agricultura. Já se nota, todavia, oposição à idéia com fracos argumentos federalistas.
Os líderes rurais e a bancada ruralista fariam muito pela agricultura se buscassem solução para as dúvidas, de modo a ensejar a rápida aprovação da reforma.

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