São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997 |
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Bienal do Mercosul sublinha identidades latinas
CELSO FIORAVANTE
Curada por Frederico Morais, buscou formatar uma imagem para a arte da América Latina, mas também acentuar as suas diferenças. Leia abaixo trechos da entrevista que concedeu à Folha. (CF) * Folha - Fazer bienal para o Mercosul não é bairrismo? Frederico Morais - Acho que não, mas isso não me preocupa. A arte da América Latina vive um momento de auge, de prestígio. Por que então não aproveitarmos esse momento para afirmar não só a existência de uma arte latino-americana, mas também a sua qualidade e a sua originalidade. Folha - Questões como identidade, etnicidade e fronteiras estão sendo discutidas nessa bienal? Morais - Há uns 20 anos eu falava de uma neurose da identidade. De uma modo geral, só se cobra a idéia de identidade da América Latina e de países do Terceiro Mundo. É como se a identidade do europeu e do norte-americano fosse um bem natural, um bem de nascença. E como se todos aceitassem que eles têm identidade e nós não. Eu quero mostrar que existe uma arte na América Latina e que é possível identificar algumas características e posturas que revelam uma postura e um comportamento da arte latino-americana. É uma característica de uma mentalidade metropolitana e centralizadora pinçar um ou outro artista de tempos e tempos e verticalizá-lo, como por exemplo uma Frida Kahlo, que é mitificada porque é descontextualizada e apresentada como uma exceção, um milagre de inteligência e invenção em um ambiente geralmente pobre e limitado culturalmente. Quando você descontextualiza alguém, essa figura se excepcionaliza. Por outro lado, se você examina o contexto e suas relações culturais, políticas e econômicas, você tem uma visão mais correta e verdadeira do objeto analisado. Estou querendo acentuar as diferenças, não quero mostrar uma identidade única. Folha - A Bienal iria no caminho oposto ao Mercosul, que pretende unificar os mercados? Morais - A idéia de globalização não exclui a idéia de blocos econômicos e blocos culturais, como também não exclui uma vivência própria, específica do território. Existe a idéia de reviver o território, de afirmar um espaço físico e, aí sim, de afirmar sua etnia. A idéia de globalização não anula isso. O problema é que a história da arte não tem sido escrita na América Latina, mas na metrópole, na Europa e nos EUA, pois é lá que estão os grandes museus, as editoras, as revistas de arte, os curadores, os recursos. A idéia não é nos isolar e partir para o desenvolvimento autônomo, mas estabelecer relações. Nas décadas passadas, com o surgimento de movimentos como Novos Selvagens alemães e a Transvanguarda italiana, quando a Europa se manifesta em reação à pressão dos EUA, ali também existe o tema da identidade. Folha - Incluir uma vertente cartográfica dentro de um bienal não se trata de um discurso político? Morais - Todos os gestos são políticos. Essas vertentes não são estanques. São reversíveis. Você pode fazer uma leitura política da arte construtiva. A arte construtiva na Europa caracteriza uma sociedade tecnologicamente avançada, concluída, acabada. Ela reflete um estágio econômico bastante claro. É muito diferente da arte construtiva na América Latina, onde tudo está por fazer, por teorizar, por construir. Se você a analisa sob o ponto de vista de construção de uma realidade nacional ou continental, ela ganha aqui uma dimensão política. E ela é forte no Brasil e na Argentina nos anos 40 e 50 porque coincide com várias tentativas de instituições que, na área econômica e social, tentaram pensar a América Latina como um continente forte. Ideologicamente, o projeto construtivo se insere nessa idéia de construir a imagem da América Latina. O fato de o artista enfatizar aspectos políticos de sua obra não significa que ele descuide de seu aspecto formal. A obra de Cildo Meirelles é absolutamente formal, no sentido de que possui uma clareza e uma limpeza quase minimalistas. Folha - Em algum momento pensou-se em fazer uma bienal popular? Morais - Eu não. Meu projeto é bastante rigoroso. Essa bienal é uma fonte de estudos. Não excluo a idéia de prazer visual, mas não penso em estatísticas de público. Sempre acho que a influência de uma bienal ou obra de arte não é imediata. É quando você não está mais diante da obra que ela começa a fazer efeito, quando se estabelece um nexo da obra com o seu cotidiano. Muitas vezes a gente se esforça em compreender uma obra de arte e esse esforço chega a ser um bloqueio. Temos que nos deixar colher pela obra de arte, poeticamente inclusive. Eu divergi muito da área de marketing e publicidade do evento pois eu não acho que a Bienal vá mudar, proporcionar uma experiência diferente, como dizem os cartazes. O processo é muito longo, e essa bienal é apenas a primeira. É um processo transformador, mas a longo prazo. Ela é uma fonte de debates e reflexão. Texto Anterior: Bienal de Johannesburgo Próximo Texto: Johannesburgo questiona noções de nacionalidade Índice |
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