São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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"Milenarismo é uma projeção do futuro"

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, Jean Delemeau comenta o papel da religião para o homem hoje, a "new age" e a situação política na França e Europa.

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Folha - De que maneira a Igreja determina o sonho de felicidade?
Delumeau - Como já disse, o milenarismo tem sua origem principal no último livro do Novo Testamento, e tenho a convicção de que a primeira geração de cristãos foi, em grande número, milenarista. Os mártires tinham a crença de que os mortos ressuscitariam.
Mas, logo depois, e sobretudo em consequência de santo Agostinho, a Igreja pensa um milenarismo muito mais "carnal", muito mais "terrestre". Ela aceita a leitura do Apocalipse proposta por santo Agostinho. Segundo ele, o nascimento de Jesus dá início ao seu reino sobre a terra, que será diretamente seguido de um julgamento final e da "Jerusalém Celeste". Ele não espera um período intermediário de felicidade.
Folha - Para o sr., contar a história do milenarismo é falar da história de um desejo pelo futuro?
Delumeau - O milenarismo é uma projeção sobre o futuro. É a convicção de que o mundo conhecerá -antes de um julgamento último- um período de felicidade comparável àquela, se fizermos uma leitura fundamentalista do Gênese, que Adão e Eva conheceram antes do pecado original.
Eu tento mostrar em meu livro que as aproximações históricas entre o milenarismo e as "utopias" devem ser instituídas. O ponto em comum entre esses dois campos é a crença de que o homem pode conhecer a felicidade no mundo.
Folha - Nós continuamos hoje milenaristas?
Delumeau - O observador constata que o campo religioso atual se caracteriza por três aspectos. O mais importante, ao menos no Ocidente, é o agnosticismo. É uma situação historicamente inédita. Em segundo lugar, uma certa força das idéias fundamentalistas, sensível em todo o mundo, mas sobretudo no Islã.
Por fim, uma demanda espiritual que procura resposta às dúvidas em todas as direções, resultando em uma "religião à la carte" que desafia as instituições eclesiásticas. Qual tendência será predominante é impossível de prever. Uma coisa é certa: no Ocidente, o conformismo religioso está desaparecendo.
Nesse contexto, o que acontece com a idéia milenarista na Europa e na América? De um lado, ela se mantém nas formas tradicionais, com os mórmons, os adventistas e as testemunhas de Jeová, e sem dúvida também em certas igrejas pentecostais (muito menos disseminadas na Europa do que no Brasil). Do lado oposto, amplamente descristianizado, há os grupos de "new age", que acreditam que, com a chegada da era de aquário (no ano de 2030), a humanidade encontrará a felicidade.
Folha - A situação política e social da França e da Europa indicam o desejo por uma nova utopia?
Delumeau - Na França, e na Europa, a "new age" e o milenarismo tradicional não afetam mais do que um número limitado de pessoas. Reina entre nós uma real inquietação com o desemprego e a insegurança nas cidades. E há o avanço da Frente Nacional (partido francês de extrema-direita), que reflete essa intranquilidade.
Mas não vamos exagerar, nessa inquietação, o papel da Frente Nacional na política francesa. A França, como a maior parte dos países ocidentais, está em luto, no fim de século, com as esperanças, um pouco utópicas, vividas no século 19. A ciência, o progresso técnico e o socialismo não trouxeram a felicidade para os países que apostaram nessas vias. É necessário revisar esperanças inocentes.

Livro: Mil Anos de Felicidade
Autor: Jean Delumeau
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28,50

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