São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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30 anos de mulheres no rock

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

1997 foi eleito "o ano das mulheres" pela indústria da música pop. E o atestado chegou às bancas este mês, com a edição especial dedicada a elas da revista norte-americana "Rolling Stone".
São quase 150 páginas mostrando as incursões femininas no rock nos Estados Unidos das pioneiras do blues nas décadas de 20 e 30 às rappers e "riot grrrls" dos 90.
O momento, aliás, não poderia ser mais propício. Assim como Tina Turner, Madonna e Courtney Love -numa reunião inédita para a foto da capa-, a "Rolling Stone" integra, a partir de agora, o time das balzaquianas, comemorando seus 30 anos de existência.
A edição comemorativa, de capa dourada, é um item de colecionador. Traça um panorama histórico sobretudo das norte-americanas, incluindo apenas algumas inglesas muito bem-sucedidas no país.
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Curiosamente, o ano do "girl power" (poder das garotas), trombeteado pela revista, tem como estrelas dois fenômenos de marketing. A música das inglesas pré-fabricadas Spice Girls e da cantora "capa-da-'Time'" Jewel está longe do reconhecimento uníssono da crítica.
Além disso, o período viu uma Madonna reclusa tornando-se mãe e presenciou a transformação total da rebelde e odiada Courtney Love em "respeitável e chique".
Mais: é bem provável que 1997 fique na história do pop como o momento do estouro do tecno para as grandes audiências, coisa que não tem nada de feminino.
Então, por que falar de mulheres agora? Um dos motivos, segundo o editor da "Rolling Stone", Jann Wenner, é que elas voltaram a dominar uma boa fatia das paradas.
E não se trata apenas de Mariah Carey. Novos nomes que ainda não estouraram no Brasil, como Fiona Apple e Ani DiFranco, começam a emplacar hits. Isso sem contar as rappers negras, que têm espaço mais do que conquistado entre o público norte-americano.
O "girl power", então, não passaria de mais uma daquelas invenções para vender discos. E, nos Estados Unidos, venderia também uma idéia: a abstinência.
Naquele país, o movimento tem o apoio do governo Clinton e teria começado a partir da campanha "Just Say No" (apenas diga não) contra o estupro.
Já na Inglaterra, o "girl power" teria aparecido como uma reação à "lad culture", dos garotos sujos e mal-educados do britpop, com suas cervejas e seu futebol.
No meio de tudo, a mais "mainstream" das revistas de cultura pop escalou um time de jornalistas e fotógrafas -todas mulheres- para compor uma rara historiografia do sexo feminino.
O resultado, relevadas as limitações de um trabalho jornalístico e do enfoque 100% americano, tem o valor de documento inédito.
As Ronettes e Aretha Franklin (nos anos 60), Joni Mitchell e Debbie Harry (nos 70), Madonna (rainha da década de 80) e Courtney Love (para os 90), simbolizam, para a revista, a atitude, o estilo e as dificuldades de suas épocas.
É claro que não são apenas elas. Dezenas de outras -de Billie Holiday a Janis Joplin, de Marianne Faithfull a Linda Ronstadt, de Joan Jett a Janet Jackson, de L7 a Melissa Etheridge- têm suas histórias registradas no texto de Gerri Hirshey, que cobre a área há 15 anos.
Como "brinde" há 28 entrevistas, entre elas de Madonna, Liz Phair, Kim Gordon (Sonic Youth), Ronnie Spector (Ronettes), Etta James, Sinead O'Connor, Me'Shell Ndegéocello e Yoko Ono.
Em todas elas, o foco está centrado na busca pelos "role models", os modelos de comportamento que essas mulheres tiveram e também no que se tornaram.
Além disso, discografia histórica (leia quadro) e um capítulo especial -sobre sexo, é claro.
Saias curtas, roupa justa, poses provocativas e muita maquiagem dão o tom. É preciso ressaltar, como a revista, que foi em meados dos anos 70, com a liberdade do punk e a androginia masculina de gente como David Bowie e dos New York Dolls, que se confundiu, de uma vez por todas, os papéis.
Obviamente, há lacunas não preenchidas. Patti Smith, uma das mais inspiradas compositoras do final dos anos 70, não quis falar. Para ela, música não pode ser considerada uma questão de gênero -masculino ou feminino-, como faz a revista.
A própria edição especial da "Rolling Stone" é prova cabal de que as mulheres há muito marcaram seu território no rock e no pop. Mas, a cada nova onda, o assunto volta à baila.
O ano passado não foi diferente. O sucesso comercial de Alanis Morissette detonou o que os norte-americanos chamaram de "angry white females", as mulheres brancas e raivosas que não escondiam sua sexualidade e exigiam seus direitos, fundando um "novo feminismo", menos panfletário. Será?
OBS: Para dezembro, a revista volta a estampar na capa a mais masculina das bandas e, pela primeira vez, traz seu logotipo no plural. Tudo pelos Rolling Stones.

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