São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 1997
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Literatura japonesa: um exemplo

JOSÉ SARNEY

O Brasil é um país de imigrantes. São italianos, alemães, russos, poloneses, georgianos, austríacos, suíços, japoneses e outros ainda. Uma das mais importantes colônias em termos quantitativos é a japonesa. Trouxeram para cá uma cultura milenar; aqui nasceram sucessivas gerações de nisseis e sanseis, enriquecendo o cadinho étnico e cultural brasileiro.
O Japão possui uma rica e bela literatura. O diálogo cultural sempre tem um bom começo na difusão da literatura de um determinado país, já que ela é também, como a língua, um repositório de cultura.
Tenho às mãos um exemplar em tradução francesa desta pequena obra-prima que é "O Fuzil de Caça", de Yasushi Inoué, publicado pela Stock.
Yasushi Inoué nasceu em 1907. Fez filosofia e militou no jornalismo. Em 1949, recebeu a mais célebre premiação literária japonesa -o Prêmio Akutagawa- pelo livro "Combate de Touros". Entre seus romances, merecem destaque "Os Caminhos do Deserto", "História de Minha Mãe" e "O Falsário".
O "Fuzil de Caça" trata de uma ligação amorosa entre um homem casado e uma mulher divorciada. A narrativa é construída a partir de três cartas enviadas àquele cujo amor sempre ficara subterrâneo: da filha da mulher divorciada, da esposa legítima, e a carta da amante escrita antes de cometer suicídio. A filha só toma conhecimento dessa relação ambígua porque lê o diário da mãe, destinado a tornar-se cinzas. É uma tragédia em ritmo brando, sem lances espetaculares, com uma discrição bem japonesa. O romance trata de dor e solidão, a solidão também desse homem com seu fuzil de caça ao sopé da montanha, na reserva de Amagi. É um sussurro doloroso de solidão, onde o vento que sopra é outonal, e a região "é banhada por uma luminosa claridade, mas, em certo sentido, evoca uma fria e sóbria imagem pintada em porcelana".
Em certa passagem da carta da jovem filha, ela indaga: "Eu acreditava que o amor fosse semelhante ao sol, exuberante e vitorioso, para sempre bendito por Deus e pelos homens. Eu acreditava que o amor ganhava a pouco e pouco potência, tal um curso d'água límpida que cintila em toda sua beleza sob os raios de sol, fremindo com mil rugas levantadas pelo vento e protegido pelas margens cobertas de ervas, árvores e flores. Eu acreditava que fosse isso o amor. Como poderia imaginar um amor que o sol não ilumina e que corre de nenhum lugar, profundamente encaixado na terra, como um rio subterrâneo?"
Yasushi Inoué dá provas, nesse romance, de haver penetrado, pelo menos em parte, na sutil psicologia feminina, ao assumir o ponto de vista de Midori, a esposa traída, na carta que ela dirige ao marido, com a complexidade de sentimentos que tal situação suscita sobretudo em almas delicadas.
Sobre esse pequeno grande livro, o escritor francês Jean d'Ormesson escreveu: "É uma obra-prima... O todo é de uma sobriedade e de uma força notável, sem alguma explosão de voz, de uma intensidade glacial e ardente ao mesmo tempo".

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